Culpado por Suspeita

Culpado por Suspeita Crítica Filme 1991 Pôster

Sinopse: “Culpado por Suspeita” se passa na década de 1950, onde David Merrill é um cineasta chamado a prestar depoimento para um comitê que investiga atividades ligadas ao regime comunista, mas se nega a cooperar porque não quer prejudicar um amigo. Ele é incluído na lista que circula em Hollywood e que cita nomes de profissionais suspeitos de ter relações com o comunismo e não devem ser contratados. Surge o dilema: ajudar o amigo ou retomar sua carreira?
Direção: Irwin Winkler
Título Original: Guilty By Suspicion (1991)
Gênero: Drama
Duração: 1h 45min
País: EUA

Culpado por Suspeita Crítica Filme 1991 Imagem

Fantasmas Assustados

O período de caça às bruxas de Hollywood, que destruiu carreiras e reputações sob a velha desculpa da “ameaça comunista” volta e meia é revisitada pela própria indústria detratora. “Culpado por Suspeita” (1991), que chega ao catálogo do Petra Belas Artes á La Carte, é um deles. Quase sempre essas produções se assemelham por qualidades e inconsistências parecidas – no caso da obra escrita e dirigida por Irwin Winkler, não é diferente.

Uma direção de arte que nos permite viajar para a Era de Ouro de Hollywood com uma fidelidade impressionante. O cineasta faz o caminho comum de provocação do saudosismo e enxerta pequenas referências visuais, como a cena em que Marilyn Monroe canta “Diamonds are a Girls Best Friend” em “Os Homens Preferem as Loiras” (1953). Todavia, assim como falamos em nossa crítica de “Judas e o Messias Negro” (2021), indicado ao Oscar de melhor filme em 2021, há uma vã tentativa do establishment norte-americano de não se aprofundar nas questões ideológicas sempre que um pensamento de esquerda ou ligeiramente mais progressista que o bacon and eggs do Partindo Democrata. Com isso, todas as narrativas que tratam do tema soam como uma documentação direta de fatos, evitando qualquer questionamento.

Não que a ausência de julgamento seja um “problema” de um filme – mas, feito de forma proposital, também não pode ser uma qualidade. “Culpado por Suspeita” acaba não sendo marcante – assim como “Trumbo: Lista Negra” (2015), que deu a Bryan Cranston uma indicação ao Oscar de melhor ator há cinco anos e hoje soa distante. A produção caprichada não evita o caminho ao esquecimento, o que é de se lamentar porque estamos diante de um momento importante no processo de desenvolvimento desta indústria. Assistido em sessão dupla com “Laura” (1944), a obra de Winkler nos transporta a 1947, quando uma das inúmeras Mortes do Cinema aconteciam. Os grandes estúdios começaram a sentir o impacto nas bilheterias causado pela popularização da televisão, que fornecia entretenimento em som e imagens no conforto de casa. Por outro lado, ultrapassada a ameaça fascista com o fim da Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA começava a ver socialismo em todos os lugares.

As artes não poderiam ficar de fora e o pensamento universalista, cosmopolita e tolerante de quem faz cinema transformou Hollywood em um dos focos da perseguição de indivíduos com ideias comunistas. David Merrill, vivido por Robert De Niro, é um fictício diretor de cinema que chega de Paris após uma produção. Ele é informado de que corre o risco de entrar na tal lista negra e é aconselhado a entregar alguns colegas aliados à ideia de justiça social, entre ele o grande amigo Bunny Baxter (George Wendt). Enquanto isso, tenta recuperar seu relacionamento e manter sua carreira viva.

Veja o Trailer:

Duas notas de produção chamam a atenção logo de cara. A primeira é de que boa parte das falas de Tribunal do protagonista são inspiradas no jurista Joseph N. Welch – um perseguido de fora da área cultural, mas que no final da vida foi o juiz de “Anatomia de um Crime” (1959), um dos melhores filmes de Preminger (sim, o diretor de “Laura”). O outro ponto – e que vai diretamente a favor das nossas limitações sobre longas-metragens como “Culpado por Suspeita“, é a alteração por parte de Irwin Winkler da imagem de Merrill como um comunista convicto.

A mudança para que o rosto de De Niro pudesse retratar um “mero” liberal fez com que o roteirista original, Abraham Polonsky, abandonasse o projeto, a ponto de pedir para ter seu nome retirado dos créditos. Acompanhar a trajetória dele pela indústria e ver como seu início prodigioso no final da década de 1940 foi interrompido, diz muito sobre como carreiras foram destroçadas, mesmo que no olhar hipócrita de uma América livre. O nova iorquino, indicado ao Oscar em 1948 por “Corpo e Alma“, foi uma das grandes vítimas de uma política persecutória que, quarenta anos depois, ainda não podia receber a abordagem direta e humanizada.

Portanto, assistir obras como esta com olhar ainda mais crítico, questionando representações, é fundamental para que a narrativa oficial não se perpetue. Há elementos que, analisados isoladamente, merecem aplausos. Temos, por exemplo, um James Newton Howard entregando uma das suas primeiras grandes trilhas sonoras – dali em diante ele foi nove vezes indicado ao Oscar e nunca venceu – e esse ano provavelmente perderá de novo por “Relatos do Mundo” (2020). A participação de Martin Scorsese como o também fictício diretor Joe Lesser, parece trazer uma credibilidade ao filme. Inspirado em Joseph Losey, um dos profissionais que optou por sair do EUA do que passar pelo crivo do Macartismo que o levaria fatalmente à miséria. Radicado no Reino Unido, foi duas vezes indicado ao Oscar, além de ter realizado o excelente “O Criado” (1963).

Winkler estreia na direção e dá a impressão de que mexe em um vespeiro que o experiente cineasta quis evitar. Ele era um produtor renomado, oscarizado por “Rocky, um Lutador” (1976) e presente em boa parte da filmografia do próprio Scorsese, incluindo “Os Bons Companheiros“, lançado um ano antes. Poderia ter uma lista ainda maior de trabalhos como cineasta, se não fosse tão conservador nas representações. Até hoje, esse é o único filme que traz o produtor Darryl F. Zanuck como personagem. O mesmo que foi convencido por Preminger a comprar os direitos de “Laura” e depois demitir Rouben Mamoulian do cargo de direção.

Conexões de uma Hollywood que leva a dinâmicas que “Culpado por Suspeita” acaba reiterando: a de que é melhor jogar tudo para debaixo do tapete.

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Como funciona: Planos de assinatura com acesso a todos os filmes do catálogo em 2 dispositivos simultaneamente.

Valor assinatura mensal: R$ 9,90 | Valor assinatura anual: R$ 108,90.

Catálogo conta, até o momento, com mais de 400 obras – incluindo “Culpado por Suspeita”.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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