Coisas Verdadeiras

Coisas Verdadeiras Crítica Filme Imagem

45ª Mostra SP Logo Sinopse: Em “Coisas Verdadeiras”, Kate leva uma vida apática, até o momento em que a oportunidade de sexo casual com um desconhecido por quem se sente atraída a desperta. Apaixonada, ela embarca numa aventura perigosa.
Direção: Harry Wootliff
Título Original: True Things (2021)
Gênero: Drama | Romance
Duração: 1h 42min
País: Reino Unido

Coisas Verdadeiras Crítica Filme Imagem

Nove Expedientes e Meio de Amor

Coisas Verdadeiras“, segunda longa-metragem da diretora britânica Harry Wootliff, tem uma proposta parecida com o anterior, “Only You” (2018). Em exibição na Competição Novos Diretores da 45ª Mostra SP, a trama se baseia em um encontro furtivo e intenso entre um homem e uma mulher de meia-idade. Kate (Ruth Wilson) nos é apresentada a partir de seus desejos. Nos seus sonhos, recebe um sexo oral que a faz esquecer dos problemas. E, quais são os problemas? Os típicos da rotina da contemporaneidade.

A protagonista está presa em um trabalho pouco promissor, no qual sempre chega atrasada e, quando presente, vive perdida em seus pensamentos. Por pura desmotivação, falta de vez em quando e começa a ser cobrada porque não consegue sequer “meter o atestado”. Até que Blond (Tum Burke) aparece para ser atendido por ela. Surgindo pela ótica do mistério (ou do proibido), a mulher começa a investigar o passado e o presente desse ex-presidiário que participa de um programa do governo de recolocação no mercado de trabalho. Identificando a vulnerabilidade de Kate, o homem realizará furtivas investidas, dando início a uma relação casual.

A fonte primária de “Coisas Verdadeiras” é o romance “True Things About Me” de Deborah Kay Davies, uma narrativa crua sobre uma funcionária do DWP (Departamento de Emprego e Pensões) no Reino Unido, lida pelo viés da ousadia e da coragem. A cineasta, então, constrói um drama que vai tornando sua heroína cada vez mais reativa, envolvida no jogo de um relacionamento que se torna abusivo e violento porque tira delas as rédeas que permitem controlar os seus desejos. Reflexo de uma vida na qual Kate se sente rejeitada, tornando os encontros com Blond novos gatilhos de medo de ser abandonada.

Esse sufocamento de uma comunidade fluida e, ao mesmo tempo, competitiva e individualista tem gerados boas histórias protagonizadas por mulheres. Assim como o austríaco “O Chão sob meus Pés” (2019), no contexto da Sociedade do Cansaço há uma letargia aparente, como se manter nossa autonomia fosse, também um peso. A protagonista tem uma felicidade quase sempre projetada e vê como consequência de sua ansiedade a dificuldade de se impor. Só que o controle ainda é vendido como algo possível, em um filme que usa o autoconhecimento também como um processo de tentativa e erro – e até ligeiramente mais otimista do que outros exemplares do gênero.

Uma personagem que aceita ser levada para conhecer seus limites, ver até aonde aquilo vai dar. Não tira as maquinações mal-intencionadas de Blond, que até na estética se vincula aos antagonistas de thriller de suspense que usa o sexo como elemento de conexão da narrativa, é verdade. Porém, aos poucos somos conduzidos a uma redenção silenciosa de Kate, como se ela assumisse o risco de por tudo a perder até o ponto em que isso se reflita em algum tipo de prazer. Aquele homem também é uma ferramenta, por mais que suas atitudes objetivem promover uma instabilidade na mente da mulher.

Talvez aqui resida aquele velho conflito entre as tais adaptações literárias que muitos (ainda) cobrem fidelidade, como se fosse uma característica necessária. Em análises sobre a obra de Davies, há várias menções sobre o quão sombrias são as percepções sobre os sufocamento sofridos por Kate. Pelo que se denota que o leitor passa muito tempo vivendo as leituras dos fatos pela protagonista. Enquanto isso, o audiovisual acaba trazendo contrapontos diretos através das imagens.

E é justamente na formulação das últimas imagens que Wootliff conclui muito bem seu filme. Exibido no Festival de Veneza deste ano, “Coisas Verdadeiras” parece consolidar uma cineasta disposta a representar as aflições de mulheres contemporâneas. Porém, desenha ao final uma personagem que, para prosseguir na eterna missão de entender a si mesma, compreende as diferenças entre os momentos de usar, (fingir) ser usada e aquele que a redime e devolve as rédeas da própria vida: ficar sozinha na pista.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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