Sinopse: Em “A Última Noite”, o casal Nell e Simon e seus amigos mais próximos juntam suas famílias para o jantar de Natal em sua incrível residência no interior da Inglaterra. A reunião lembra os bons e velhos tempos, mas por trás de todas as risadas e alegria, algo não está certo. O mundo exterior está enfrentando uma destruição iminente, e nenhum dos presentes natalinos, jogos em grupo ou Prosecco fará a destruição que promete dar fim a humanidade ir embora. Sobreviver às festividades será desafiador.
Direção: Camille Griffin
Título Original: Silent Night (2021)
Gênero: Drama | Terror | Comédia
Duração: 1h 32min
País: Reino Unido
A Vida Termina (e Nasce Outra Vez)
O espectador que escolheu, na semana do Natal de 2021, a produção britânica “A Última Noite” como filme para retornar às salas de cinema depois de quase dois anos de confinamento, deve ter se arrependido. Disponível por 24 horas na programação do Festival do Rio no serviço de streaming do Telecine, a mistura de terror apocalíptico, comédia inglesa e drama familiar tocará de forma sensível aqueles que (ainda) se preocupam com as consequências das nossas ações perante o planeta. Para quem duvida de que há uma conexão entre nossos hábitos de consumo, escolhas políticas, aquecimento global e surgimento de epidemias, deve achar a estreia da roteirista e diretora Camille Griffin em longas-metragens bem mais divertida.
Talvez este seja o grande ponto problemático da obra, que trabalha o suposto conflito entre negacionismo puro e questionamentos acerca das intenções do Estado e seus representantes de forma atravessada. Não podemos dizer que a realizadora ignorou o que vivemos a partir de 2020 de forma deliberada. Afinal, toda a pré-produção e período de filmagens aconteceu antes (apesar de muito próximo) do primeiro lockdown mundial em março daquele ano. A distopia natalina cômica e aterrorizante, contudo, chegou a nós na carona de um conjunto de leituras e atos sobre um evento crítico real. Se colocar à margem dele não faria nenhum sentido.
Dito isto, “A Última Noite” é uma das criações mais abomináveis dos últimos tempos. Claro que o julgamento acerca das intenções não faz parte desta sentença (por tudo o que já falamos no parágrafo anterior). Por mais que sua confluência de gêneros seja interessante, as piadas involuntárias funcionem em certa medida (eu, por exemplo, consegui rir do momento em que uma personagem assume ter feito sexo com o marido de outra), nas entranhas do debate do seu terço final, colocando uma resistência em favor do livre arbítrio pelo personagem do menino Art (Roman Griffin Davis) é daquelas sugestões argumentativas potencialmente danosas.
Aliás, Davis é um dos grandes destaques do filme. Sem ter vida fácil depois de viver um fã de Hitler no (também problemático) “Jojo Rabbit” (2019), ele demonstra muita maturidade no papel do filho mais velho de Nell (Keira Knightley) e Simon (Matthew Goode). Diante da iminente extinção da humanidade com a chegada de um misterioso gás que tirará a vida de todos de forma sofrida e cruel, eles decidem organizar uma grande festa de Natal e convidar todos os parentes para a tal última noite. Ao final de um processo artificializado de celebração, com direito a trocas de presentes que eles nunca usarão, todos planejam tomar o comprimido cedido pelo governo britânico que, em poucos minutos, matará sem dor quem os tomar.
Mais adiante saberemos, apesar de não ter mais informações em relação ao grupo vilipendiado, que alguns cidadãos não receberam (ou não tiveram direito) o remédio que garante a “morte digna”. No desenvolvimento da narrativa também identificaremos alguns conflitos familiares, já que algumas questões mal resolvidas ou rivalidades entre parentes torna aquele Natal apenas mais um em que o jogo de aparências ganha forma. “A Última Noite” faz lembrar de forma direta dois filmes assistidos pela Apostila de Cinema ano passado. O primeiro é o brasileiro “O Buscador” (2019) . O segundo é “Fourth Grade” (2021) remake norte-americano de Marcelo Galvão para seu filme “Quarta B” (2005).
Nos dois a hipocrisia e o jogo de cena daquele ambiente familiar (ou escolar) ganha espaço. Os diálogos carregados de ironia se conectam de forma muito forte com a obra de Galvão. Já a primeira, dirigida por Bernardo Barreto, tende a deixar uma mensagem mais próxima da alegoria política. Ao assumir isso, foge do grande erro do longa-metragem de Griffin. Quando ela coloca o espaço da dúvida como motivação para Art questionar se deve ou não tomar a pílula, as representações do filme confundem negacionismo com conspiracionismo. Enquanto o segundo pode até ser validado, desde que acompanhado por um conjunto de indícios de que o Estado não quer o nosso bem, o primeiro apenas renega o que as ciências (de qualquer natureza) demoraram anos para concluir.
Seria a mesma coisa que colocar na balança que a vacina que tomamos em três (ou quatro) doses não funciona e que o governo de Jair Bolsonaro negligenciou estudos e aquisições de insumos para a produção das mesmas como forma oficial de política. Pode ser porque deseja a morte da população ou apenas porque não se importa. Uma opinião colhida através de indícios, como o fato de que os mais de cem e-mails da Pfizer foram ignorados pelo Ministério da Saúde. Por trás desta leitura política, há uma dose de conspiracionismo, claro. Agora, falar que a vacina não funciona (ou que possui um chip chinês para nos controlar) é apenas negacionismo.
Enquanto boa parte dos personagens do filme começa a surtar com a ideia de que não haverá um futuro, a trama foca no menino que encontra margem para o impossível. Ao não trabalhar essa dualidade, deixar de lado qualquer complexidade para manter o público em uma narrativa de confinamento, Griffin mira na crítica social e acerta no desserviço. Se ontem falamos que “Não me Diga Adeus” (2022) possui uma forte carga dramática através da consciência da morte do seu protagonista, aqui temos uma consciência coletiva, algo muito mais poderoso. Os dilemas partem do mundano, encontram margem para atingir pontos mais altos, mas o ranço da mensagem patética do take final já parece inevitável nos quinze minutos que o antecedem.
Nem entraremos no que há por trás de fazer uma propaganda (espero que involuntária) da Coca-Cola como a bebida oficial do apocalipse. São tantos closes da latinha que “A Última Noite” nos oferece que, por alguns instantes, pude acreditar que há uma grande corporação aceitando ofertas desprovidas de qualquer senso do ridículo. Mas, se pensarmos que a sugestão aqui é duvidar de tudo o que é oficial, criando uma falsa simetria distópica dos complicados comportamentos de manada, não serei eu a criar conspirações negacionistas na minha cabeça.
Veja o Trailer:
Artigo bizarro e militante de um militonto. No final do filme o menino acorda porque não tomou a pílula suicida.
O comentarista vai falar sobre o filme ou sobre política!
Não misture as coisas!
E no filme, o menino que não tomou a pílula, foi o único que sobreviveu!
E aí? Quem será o negacionista?