Bruno de Oliveira | Entrevista

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Os Pássaros de Massachusetts Imagem

As Visões de Bruno

Para além do cronismo visual como mote, Bruno de Oliveira mostra ser um realizador que busca experimentar. E se experimentar, ao ser parte das suas criações enquanto personagem. Foi assim que nossa conversa sobre “Os Pássaros de Massachusetts” (2019), disponível agora no Amazon Prime Video, revelou detalhes de suas produções que vieram depois – ou que ainda estão por vir.

Gravado em apenas vinte diárias, o filme acompanha três dias de inverno na vida de Fernanda (Fernanda Detoni), Bruno (Bruno de Oliveira) e Sofia (Sofia Nóbrega). Como vértice final deste quadrado, a cidade de Porto Alegre que une a melancolia e a busca pelo anonimato de centros frios com as chances de encontros e a solaridade de seus parques de locais mais quentes. Falar da capital do Rio Grande do Sul é um capítulo a parte a todos que lá estiveram – e é bonito acompanhar pelo olhar de um cineasta disposto a refletir tal complexidade em algumas de suas obras.

O silêncio é parte importante de uma narrativa que se forja sem roteiros pré-definidos, tal qual o futuro de Fernanda, Bruno e Sofia. Tanto os ficcionais quanto os reais, que confirmaram que se divertiram muito em transportar parte de suas vivências para as telas. Enquanto linguagem, o diretor cita como referência os cinemas de Robert Bresson, Eric Rohmer e Hong Sang-Soo.

Contudo, na entrevista abaixo ele reflete sobre o trabalho da trilha sonora comporta por Felipe Rotta para a versão final disponível na plataforma de streaming e ainda nos conta como a exibição original no 47º Festival de Gramado influenciou, de certa maneira, sua produção seguinte “Ten-Love“. Exibida em 2020, já no ambiente virtual, esperando uma melhor oportunidade para ocupar as salas de cinema para onde foi pensado.

Bruno de Oliveira continua sendo também objeto de suas criações, como revela em seus projetos futuros – em andamento ou ainda no processo inicial. Com a palavra, o realizador.


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Apostila de Cinema: Como surgiu e se desenvolveu a ideia dessa narrativa de encontros tendo Porto Alegre como cenário?
Bruno de Oliveira: Na época em que estava concebendo o filme, o cinema independente de Nova Iorque me interessava muito, especialmente esses com custo mais baixo, onde atores ou não atores perambulam pela cidade e figurantes “reais” aparecem ao longo do filme. Essa era minha inspiração e eu nunca havia retratado muito Porto Alegre, pois a maioria dos meus curtas havia sido realizado em Pelotas (RS). A partir daí fui concebendo as cenas e pensando qual seria o melhor cenário para elas, e assim fomos filmando, de pouco a pouco, de “rolê” em “rolê”.

Apostila de Cinema: Você usa a territorialidade e os espaços urbanos como um elemento forte de suas histórias. Como foi criar e identificar esses lugares no último ano e meio, em que a presença humana foi menos percebida pelo isolamento social?
Bruno de Oliveira: Foi muito louco, porque de fato vivemos um período de incertezas muito fortes em 2020. Foi estranho pensar que o que era tão fácil e normal, como filmar na rua e capturar figurantes sem máscara ficou inviável. Acho que acabei filmando bastante Porto Alegre porque a conheço bem, porque ela já é paisagem natural de minhas próprias vivências, palco do dia a dia. O início da pandemia foi muito tenso, muitos dos lugares que aparecem no filme ficaram fechados por muito tempo, as aglomerações no Parque da Redenção (Parque Farroupilha), que aparecem no filme seriam impossíveis. Acho que é uma sensação de dar valor ao que era tão banal, como muitas outras coisas pré-pandêmicas.

Apostila de Cinema: Há (ou quais são) a(s) diferença(s) da Porto Alegre de 2018, quando a produção do filme se deu e essa de 2021, quando ela pode ser vista pelo grande público no Amazon Prime?
Bruno de Oliveira: Acho que a Porto Alegre de 2018 já havia sido intencionalmente capturada sob um olhar mais nostálgico e menos tecnológico. Era intencional trazer um olhar mais “anos noventa”, “analógico” para as filmagens. Mas de fato a cidade mudou, a população de rua aumentou com a pandemia, muitos lugares fecharam, o convívio cultural se estreitou a quase zero. A Porto Alegre de 2018 é meio melancólica e agitada, com a Copa do Mundo acontecendo e as eleições chegando. Mas acho que ainda sim é uma Porto Alegre um tanto subjetiva, a que aparece no filme. Mesmo que seja a cidade, sempre rola uma certa subjetividade quando um espaço é enquadrado na câmera.


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Os Pássaros de Massachusetts | Bruno de Oliveira | Entrevista

Apostila de Cinema: Como foi trabalhar com o roteiro aberto e reunindo um grupo de não-atores? Essa experiência e decisão foi específica para este projeto ou é a forma que você gosta e prefere trabalhar sempre?
Bruno de Oliveira: Foi desafiador. Acho que o roteiro em aberto me deixou inseguro ao longo da produção. Não sabia bem como várias cenas iriam se encaixar, achava que o filme acabaria virando um curta ou um média. Acho que houve uma sensação de incógnita e mistério bem latente. E quanto aos não-atores, foi bom porque certos “vícios” de atores profissionais não estavam ali, afinal a proposta do filme era mais formal, minimalista, mas também houve desafios e por conta disso os diálogos são mínimos, ficam no essencial. Isso tem seu lado bom e lado ruim. Na verdade, a forma como prefiro trabalhar hoje em dia é com o roteiro mais fechado antes de começar a rodar, para não acontecer esse processo de insegurança, mas cada projeto é um projeto. No meu novo filme (“Dog Never Raised: Cachorro Inédito”) levei à risca todo o roteiro, exceto pelo final, que concebi já depois de tudo gravado. E quanto aos atores, não sei. Como não tenho muito acesso a financiamento, trabalho com as pessoas que aparecem na minha vida “nos momentos certos”. Não tenho preferência, pode ser ator, pode não ser. O importante é eu conseguir enxergar uma personagem para o filme.

Apostila de Cinema: O trabalho de trilha de Felipe Rotta é um dos destaques do filme. Em que momento ele chega no projeto e contribui para as representações? Houve influência das criações dele já no processo de captação das imagens ou ele desenvolveu a partir do material bruto?
Bruno de Oliveira: O Rotta é um músico incrível, com uma cabeça mais erudita, que consegue executar uma variedade de sons e performar em instrumentos que até hoje não sei qual o limite da criatividade dele. Nos conhecemos logo antes da pandemia, para ele compor a trilha do meu segundo longa (“Ten-Love”). Depois daí, surgiu a oportunidade de distribuir o “Pássaros”, mas as músicas que estavam no filme não eram licenciadas. Aí o Rotta, já com a experiência do outro longa, compôs a trilha do “Pássaros” do zero, mas usando como referência algumas passagens das músicas não licenciadas, porém o trabalho dele é bastante original e esteticamente mais versátil da outra versão do filme. Ele gosta muito de cinema e trocamos muita ideia sobre esse misto entre imagem e música.

Apostila de Cinema: Antes de assistir “Os Pássaros de Massachusetts”, pudemos acompanhar seu longa-metragem seguinte, “Ten Love”, no Festival de Gramado de 2020. Como foi realizar um lançamento totalmente online de um trabalho que também tem a ocupação dos espaços urbanos como mote?
Bruno de Oliveira: O “Ten-Love” foi feito para “telão”. Foi filmado em 2:35 super widescreen. Tem cena com drone, tem uma proposta mais narrativa e tensa, então foi uma pena não ter exibido ele no Palácio dos Festivais. No entanto, o filme chegou a mais pessoas no Festival, e isso foi bacana. Mas ainda espero a oportunidade de exibi-lo em uma sala de cinema, pois nunca o vi nessas condições. Lembro inclusive do projecionista de Gramado quando o “Pássaros” foi exibido: “Essa tela quadrada aí pra mim não é cinema, pra mim cinema é largo, cinemascope!”. Fiquei com isso na cabeça e tomei alguns comentários do primeiro filme como desafio para o segundo (risos).

Apostila de Cinema: Quais seus novos projetos, finalizados, em andamento ou ainda em planejamento? Podemos esperar novas leituras e crônicas sobre Porto Alegre em breve?
Bruno de Oliveira: Estou com vários filmes na cabeça, não sei quais vão sair do papel, gostaria muito de realizar um filme sangrento e erótico do Homem-Aranha, comigo atuando e filmado em Porto Alegre, e com um ator conhecido interpretando o Lagarto (risos). Mas concretamente, tenho o “Ten-Love” pronto, aguardando distribuição, e um terceiro longa em fase de pós-produção, chamado (até agora) de “Dog Never Raised: Cachorro Inédito”. É um terror experimental gravado num período tenso da pandemia. Tem pouquíssimos atores, quase nenhum diálogo, e uma veia que puxa mais para a literatura e videoarte. Tem cenas em Porto Alegre, mas é um filme ainda mais onírico do que os outros, então acho que vai rolar bem menos identificação em relação ao realismo do filme, também porque gravei uma parte do filme em São Leopoldo (RS) e na BR que liga as duas cidades.

Clique aqui e leia a crítica de “Os Pássaros de Massachusetts”

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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