Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos

Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos

Sinopse: Ihjãc é um jovem indígena do povo Krahô que sente o luto pela perda do pai. Ao receber chamados que levam o pajé da aldeia a entender ser ele o próximo a ter essa missão, o garoto decide ir para a cidade com sua esposa e filho, para entender melhor sobre si e sobre o que está sentindo.
Direção: Renée Nader Messora e João Salaviza
Título Original: Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018)
Gênero: Drama
Duração: 1h 54min
País: Brasil / Portugal

Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos Imagem

Tudo O Que Não Se Vê

Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” é mais um dos quatro representantes da Mostra Brasil Cinema Agora! organizada pela Itaú Cultural e poderá ser assistido gratuitamente até o dia 1º de agosto (já falamos aqui na Apostila de Cinema de “Azougue Nazaré” e “Inferninho“). Essa co-produção luso-brasileira foi pouco vista por aqui, a despeito de vencer – em 2018 – o prêmio do Júri da Mostra Um Certo Olho do Festival de Cannes. Com passagem pela Mostra de Cinema de São Paulo e Festival do Rio do mesmo ano, não permitiu o espaço merecido que os cineastas Renée Nader Messora e João Salaviza deveriam ter para nos falar mais sobre essa composição narrativa.

Usando o expediente mais corriqueiro da produção nacional dos últimos anos – a docuficção – o longa-metragem nos coloca de maneira inegavelmente potente em uma noite na Aldeia Pedra Branca, localizado nas proximidades do pequeno município de Itacajá no Tocantins. Ihjãc (Henrique Ihjãc Krahô) é um jovem que acorda no meio da noite com um chamado do espírito do pai. Ele vai para a cachoeira e lá ouve do seu antepassado que se faz necessária a celebração de fim de luto que o permita realizar a passagem para sua nova aldeia. Aqui os cineastas já se valem de todo o deslumbre que a locação no coração de um território indígena permite. Tratando a fotografia para realçar o azul da noite, com uma captação dos sons da natureza impressionante, a sequência inicial será espelhada ao término da projeção da obra – quando nos colocará diante de um Ihjãc talvez com mais dúvidas do que certezas.

Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” em sua narrativa é um filme de busca de significados pelo protagonista. A forma como a passagem de tempo é tratada pela dupla de diretores se vale da fórmula cadenciada de obras que aderem a um viés artístico feito sob medida para participar de um festival como Cannes. Porém, não é tão contemplativo quanto outros longas-metragens que exageram no uso da suspensão do tempo. Aqui ele passa devagar, nos coloca nas ações paulatinamente, porém sem se valer disso como seu único trunfo.

A primeira metade é inteiramente dentro da Aldeia Pedra Branca, onde Ihjãc tem suas dinâmicas familiares (com a esposa e o filho) e em comunidade. A inquietação no peito do personagem principal aumenta quando os sinais da floresta parecem lhe dizer que será ele o novo pajé. Ainda às voltas com o luto que não se rompeu, a responsabilidade cria algo no jovem que ele não consegue compreender. Com isso, ele vai com a mulher e a criança para a cidade, ser consultado por um médico.

Ao chegar naquele ambiente culturalmente oposto ao seu, o protagonista precisa lidar, de cara, com o pior dos males do Brasil: a burocracia. Identidade, CPF, cartão do SUS, “bichos” que Ihjãc não conhece. É aqui que o diálogo fundamental da obra é exposto por Messora e Salaviza: a enfermeira desiste de entender o indígena e ele desiste de tentar explicar. Reputam essa incomunicabilidade à dicotomia “coisa de branco” x “coisa de índio”. Nos leva por um caminho em que a simples política pública de resguardo de território e assistência médica não deve ser o objetivo final junto aos povos indígenas. Aliás, evita o tema e traz pequenas menções como a tentativa de compra de votos de um político por dez reais e o ataque a tiros a uma das placas da reserva. É a ausência de empatia com Ihjãc que gerará consequências, possivelmente evitáveis se alguém da cidade acreditasse ser possível a partilha de sentimentos, a despeito das diferenças culturais.

Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” segue nos seus ritos de passagem. Daquele que já se foi e daquele que seu protagonista entende não ser mais – já que há uma missão importante a ser cumprida em sua comunidade. Toca em questões diretamente ligados a essas inquietudes trabalhadas lá em cima e termina por chegar a uma conclusão muito potente em seu lindo final espelhado com a introdução.

O FILME ESTÁ DISPONÍVEL PARA LOCAÇÃO NESTE LINK:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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