Sinopse: “Cidade dos Sonhos” é um vívido, e muitas vezes cômico, retrato de um vendedor de rua idoso, tenaz e turrão em uma contenda com funcionários públicos de Wuhan, maior cidade da região central da China.
Direção: Weijun Chen
Título Original: Cheng Shi Meng (2019)
Gênero: Documentário:
Duração: 1h 42min
País: China
Escravos de Que?
O documentário chinês “Cidade dos Sonhos” do diretor Weijun Chen apresenta uma contradição logo na tradução de seu título. Em sua abertura é traduzido como “Cidade Sonho”, enquanto o título oficial em português é o que vemos na apresentação do Festival É Tudo Verdade 2020.
Essa pode parecer uma questão simples, mas permeou toda minha experiência do filme. “Cidade Sonho” traz consigo uma ideia de imaginário, daquilo que pode acontecer, mas ainda não aconteceu. Quase como uma fantasmagoria de cidade que permanece no subconsciente daqueles que saíram do interior para as grandes capitais da China. Já “Cidade dos Sonhos” parece mais com o clássico ideal da cidade que acontece e que faz acontecer. Poderia nos lembrar os Estados Unidos da América do início do século XX, não? A verdade é que a China comunista está crescendo e, “Cidade Sonho” ou “Cidade dos Sonhos” – como queiram- mostra isso.
Sr. Wang ou Tio Wang, como é chamado carinhosamente pelos clientes e pelos oficiais da administração urbana da cidade de Wuhan, possui uma barraca de frutas e inúmeros acessórios. Entre cintos de couro, roupas baratas, palmilhas, cabides, dentre toda sorte de objetos, Wang tira o sustento da família na pequena barraca localizada em uma das ruas de grande acesso da cidade. Wuhan, entretanto, precisa crescer. Crescer implica em se mostrar cada vez mais uma cidade cosmopolita e pós-moderna, ainda que comunista. Então, essa é a parte que começa a ficar confusa e na qual, admito, me perdi em raciocínios apreendidos nos primeiros períodos das matérias de política da faculdade.
Comunismo, avanço comercial e cosmopolitismo podem ser conjugados? É mesmo uma pergunta! A ira do Sr. Wang lendo os ideais de uma sociedade comunista combina com seu comportamento agressivo perante aos oficiais da administração. Mas, um deles mesmo diz: “Ele (referindo-se à Wang) é escravo da vida e nós do trabalho”. E, talvez, seja mesmo isso.
Talvez Wuhan, capital da província de Hubei, sendo a maior cidade da China esteja começando a adquirir novos ares. Sabemos do crescimento do país nos últimos anos. A nova potência, alguns dizem. Seria, então, Wuhan realmente a nova “cidade dos sonhos” inaugurando um resplendoroso sol para o século XXI?
Sabemos também por seu final, que o filme foi filmado até 2015 quando a China parecia realmente despontar como possível nova potência econômica e, talvez, cultural. Hoje, sinceramente, não sei nem o que comerei no jantar. Por isso, evito fazer previsões econômicas.
Mas é possível dizer que a China que Tio Wang conheceu certamente será muito diferente da que sua neta conhecerá. A ela estão reservados os estudos, uma vida melhor, o “sonho chinês”. Wang permanece como personagem caricatural eventualmente se assemelhando ao Daniel Blake de Kean Loach em seus últimos momentos de angústia. Blake chutou o balde. Wang também. Quer dizer… Depois dos créditos finais, “Cidade dos Sonhos” parece se transformar magicamente em uma propaganda da nova sociedade chinesa capaz de permanecer em seus ideais comunistas e abarcar todos os interesses. E, será isso possível? Nova pergunta.
Meu querido companheiro de escrita Jorge Cruz disse: “Então, o problema era o velho.” Acho que digo: O problema somos todos nós.
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