Sinopse: Em 2015, um incêndio na boate Colectiv, em Bucareste, matou 27 pessoas e feriu 180. Mais tarde, outras vítimas morreram nos hospitais. Quando um médico vaza informações, um grupo de jornalistas começa a revelar uma imensa fraude no sistema de saúde. Um novo ministro é nomeado e oferece a eles acesso sem precedentes aos bastidores de seus esforços para reformar um sistema corrupto. Um olhar firme sobre o impacto do melhor do jornalismo investigativo.
Direção: Alexander Nanau
Título Original: Colectiv | Collective (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 49min
País: Romênia | Luxemburgo
O Quarto Poder Respira
Não apenas exibido como grande vencedor do Festival É Tudo Verdade de 2020, “Colectiv“, ironicamente, foi o único longa-metragem em competição que não se tornou texto na Apostila de Cinema. A experiência da sessão foi daquelas pesadas, não apenas pela temática, mas pelo excesso de informações sobre uma realidade a qual não conhecemos. O filme de Alexander Nanau, então, conseguiu um feito raro e foi duplamente indicado ao Oscar. Representando a Romênia, competirá na noite do dia 25 de abril nas categorias de documentário e filme internacional e acabou sendo revisto.
O filme nos coloca em um evento ocorrido em 30 de outubro de 2015, que encontra paralelo em nosso país – talvez aqui a produção ganhe ainda mais força no público brasileiro. Ao acompanhar a abordagem inicial, que fala do incêndio que vitimou de imediato 27 pessoas em uma boate e levou quase duzentas ao hospital, não tem como não se lembrar do dia 27 de janeiro de 2013, quando Santa Maria ficou marcada pela tragédia da Kiss, com 242 mortos e 680 feridos. Ao contrário da situação nacional, que se arrastou sem que qualquer responsabilização ou mudanças na legislação acontecessem, o fato ocorrido em Bucareste derrubou o governo.
Com isso, “Colectiv” se apresenta a favor de uma peça importante no tabuleiro da sociedade, principalmente aquelas que acreditam viver uma democracia. Traz a imprensa para o centro do debate, demonstra seu poder de movimentar um sistema recheado de escândalos, corrupção e ineficiência. Soa ultrapassado traçar, então, novos paralelos. Parece que o Estado enquanto agente opressor, mais do que provedor, beirou o universalismo narrativo. Na outra ponta, Nanau nos atualiza em relação à Romênia e, por alto, registra uma triste sina do nosso tempo: quando as coisas mudam, é para permanecerem iguais. Não se debruça sobre o retorno da social democracia (aquela que entrega os pontos quando a pressão popular pelos desdobramentos do incêndio a atinge). Mas, disso falaremos mais a frente. Emociona pelo olha sobre Tedy, uma das sobreviventes e sua tentativa de recomeço.
O cineasta consegue entregar uma obra que depende muito das circunstâncias, que possui a característica da imprevisibilidade, uma das mais atraentes em documentários – tudo isso sem didatizar o que acontece. Somos levados pelos meandros de uma apuração jornalística que comprova que o número de vítimas fatais foi maior do que deveria porque os biocidas utilizados no sistema de saúde era ineficazes na prevenção a potentes bactérias hospitalares pelo excesso de diluição de seu reagente. O que começa como um aparente problema de logística, pela dificuldade de transferência de alguns feridos, se transforma em um enorme escândalo sanitário e governamental.
A montagem, feita por Nanau ao lado de Dana Bunescu e George Cragg aposta na linearidade. Isso faz com que a história aconteça sem o tom de denuncismo comum a edições mais sensacionalistas desta linguagem. Os discursos diretos neste sentido ocorrem logo no início, quando o grupo de parentes das vítimas concede uma importante e dura entrevista coletiva. O contraponto são as informações desencontradas e as notas vazias e protocolares do Poder Público. “Vamos apurar“, todos eles dizem. Com a queda do governo e a instituição de um conselho provisório antes da convocação de novas eleições, o Ministério da Saúde fica a cargo de um profissional da área com conhecimento da causa, que atuou junto às famílias mencionadas.
Essa virada muda e amplia as possibilidades do filme. Estamos diante de uma quase impossível ocupação de espaço de uma equipe de produção isenta. Ao primar pela transparência na condução da pasta, somos levados para dentro dela. Acompanhamos a tentativa de uma dura reforma em um sistema de saúde comprovadamente corrompido. O balde de água fria para os envolvidos – e que acaba se tornando para o espectador que se relaciona pouco com narrativas como esta – é que há obstáculos difíceis de serem ultrapassados. A própria imprensa, fundamental para dar visibilidade aos desdobramentos da tragédia, entende ser possível dar passos adiante e cobra o novo Ministro. Porém, ele percebe que não apenas de boas intenções vivem os governos, há limitações institucionais e responsabilidades do cargo que o impedem de atender aos seus próprios anseios.
Quando falamos de como “Professor Polvo” nos tira da dura realidade, mesmo permanecendo no campo do real, o extremo oposto é refletido nesta obra. A mensagem e conclusão que “Colectiv” nos traz é desoladora. A imprensa, enquanto Quarto Poder, cumpre seu papel e a sociedade parece avançar um pouco na questão política. Porém, isso não rende frutos. Uma abstenção monstruosa nas eleições colocará os mesmos social democratas que pediram o boné e inauguraram uma crise, de volta à cadeira do poder. Aqui ficamos carentes de mais informações, fica apenas a impressão de que apelaram para o populismo mais rasteiro para conseguir a retomada. Quem sabe Nanau não elucida essa nova questão sobre a Romênia em uma nova obra… De longe, só nos resta a torcer que o novo aparelhamento político inaugurado não seja responsável por mais uma tragédia.
Veja o Trailer: