De Bakersfield para Mojave

De Bakersfield para Mojave James Benning Filme Crítica Pôster

Festival Ecrã 2021 PôsterSinopse: “De Bakersfield para Mojave” é um documento de uma das mais famosas 66 milhas de linha férrea do mundo, incluindo o Tehachapi Loop.
Direção: James Benning
Título Original: From Bakersfield to Mojave (2020)
Gênero: Documentário | Experimental
Duração: 1h 46min
País: EUA

De Bakersfield para Mojave James Benning Filme Crítica Imagem

Benning-Mundo

Assim como aconteceu no encerramento da quarta edição do Festival Ecrã, realizado também de forma online em 2020, escolhemos como fim de nossa cobertura um filme de observação. Desta vez de um dos mestres do subgênero de experimentação, James Benning – que ano passado apresentou “Telemundo” (2019) e foi objeto de “A Verdade Interior” (2020). Os espaços trazidos por ele na tela, a partir de sua incursão pela malha ferroviária “De Bakersfield para Mojave“, dialoga com outras produções do próprio realizador, sobre o âmago da sociedade norte-americana a partir de seus símbolos, o que dá um toque de revisitação e resgate ideal para o público da mostra, que possui grande apreço pelo cineasta.

Se no ano passado “Gerações“, de Lynne Siefert, pluralizava os cenários do mesmo país encontrando como ponto de convergência as usinas de carvão, aqui a passagem dos trens é o grande atrativo. Por quase duas horas, somos levados a nove longas sequências. Em comum, uma informação que chega instintivamente para o espectador: em algum momento, este ícone desenvolvimentista passará. Com uma longa quantidade de vagões, uma serpente capitalista barulhenta atravessará o ecrã. Na primeira cena, uma simbiose com a cidade, Benning enquadra no entroncamento de uma linha em uma área residencial.

Assim se segue, em passagens que apresentam conjuntos de casas espalhadas, em um obra baseada em pequenos acontecimentos, que nos inebria desde o primeiro cinema. Há manutenção e renovação de expectativa a cada mudança, sempre como novos elementos, como túneis e pequenas mudanças de ângulos que criam  uma perspectiva ligeiramente nova. Todavia, a sexta representação de “De Barkersfield para Mojave” é o grande destaque. Emblemática e poética, o cineasta encontra um enquadramento transformador. No primeiro  plano, a certeza de que vemos trilhas do trem. Ao fundo, uma imagem menos definida parecia que nos colocava próximo a uma estrada.

Benning nos engana quando a locomotiva finalmente passa. São extensões de uma mesma linha, o que permite ao público duas perspectivas na mesma sequência. Ela se transforma em três em um quase inalcançável terceiro plano, que o realizador encontra com uma lente que traz total nitidez. Até que uma surpreendente quarta perspectiva encerra a cena, mostrando como uma experimentação consegue – mesmo depois que entendemos seu propósito e parece sobrar apenas uma viagem – nos arrebatar com uma criação dentro da outra.

Já na sequência imediatamente posterior, a quebra de expectativa vem por meio da frustração. Uma linha dupla, com os dois sentidos possíveis, dá a entender que assistiríamos a duas passagens – talvez até mesmo ao encontro delas. O diretor mostra que nem sempre é possível encontrar o resultado o qual pretendemos, faz parte Cinema a construção de imagens a partir do possível, ainda mais na linguagem documental. Por ser uma curva acentuada, o trem passa bem devagar.

No que poderíamos definir como objeto de uma proposta de narrativa, “De Bakersfield a Mojave” não deixa de ser uma leitura sobre o desenvolvimento industrial, tecnológico e de importância do capital. Passando por uma fábrica ou beirando uma highway, aquelas longas sequências – algumas com centenas de containers trazendo milhares ou milhões de produtos – é a paisagem de um mundo que está sempre em movimento. Na maioria das vezes, sem conseguir saber ao certo qual o objetivo de tudo isso, de tanta movimentação, de tanto consumo.

James Benning segue sendo daqueles que, na busca pelos Estados Unidos em estado bruto, promove a nós Cinema, sempre em estado bruto.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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