Sinopse: “Descarte” é apresentado a partir do trabalho de sete artistas, designers e artesãos que transformam materiais recicláveis com inovação e sensibilidade. No documentário, enquanto falam sobre seus processos criativos e as relações com os resíduos, os sete personagens aparecem confeccionando seus produtos e objetos. O filme também apresenta depoimentos e entrevistas de 21 especialistas, ativistas e gestores de resíduos, abordando temas, como a relação do lixo com as cidades, habitat, civilização, lixões e catadores.
Direção: Leonardo Brant
Título Original: Descarte (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 52min
País: Brasil
Você É o que Você Descarta
Como parte de projeto maior, que passa pela conscientização sobre o caminho que estamos tomando enquanto sociedade de consumo, “Descarte” chegou essa semana no serviço da Amazon Prime Video. Mais uma etapa do que o diretor Leonardo Brant e sua equipe consideram uma mobilização. Portanto, antes de continuar, é fundamental deixar o acesso à página oficial (clique aqui e acesse para saber mais). Além disso, informar que até o dia 25 de março, todas as quintas-feiras às 20hs, nas redes sociais da produtora Deusdará Filmes (que você acessa clicando aqui), acontecerá um debate de diálogo com os temas abordados.
Lembrando os dez anos da lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (a Lei 12.305/10), o documentário traz algumas iniciativas espalhadas pelo Brasil que se propõem a discutir para onde vai o lixo produzido. O alarmante dado de que apenas 2% dos resíduos são reciclados pode não ser novidade para alguns. Outros mais preocupados com questões sociais, sem dúvida, têm na figura de Ailton Krenak uma referência. Ele surge no filme para trazer, dentre outros esclarecimentos, a ideia do “lixo importado”, aquele que produzimos em trânsito, longe da nossa moradia. Ele usa como exemplo as viagens, mas isso se aplica a outros deslocamentos menores – e a parte da população que reuniu o privilégio e a consciência de permanecer em casa enquanto vivemos a pandemia do novo coronavírus percebeu com mais clareza a dimensão do buraco em que estamos nos metendo.
Uma vez realizado já no contexto do isolamento social, “Descarte” atinge uma via de mão dupla: tanto em seu objeto, na construção de sua narrativa, quando na recepção por parte do espectador. No primeiro caso, um dos destaques é a forma como as quase cem mil pessoas que trabalham como catadoras estão sobrevivendo. Com um capital de resíduos limitado a poucos espaços, a própria concepção de ocupação do território urbano foi prejudicada. Já pudemos, aqui na Apostila de Cinema, tratar algumas vezes desses profissionais – e como sua invisibilização é um forte elemento de desumanização das nossas relações.
O curta-metragem “Carroça21” (2018) de Gustavo Pera é um dos exemplos e lembramos que no programa em que conversamos sobre as produções do Festival Taguatinga do ano passado chamávamos a atenção sobre o olhar qualificado dos catadores, que estão em todos os lugares e quase sempre pouco percebidos. Desde o início da pandemia há, por parte de alguns, essa preocupação com o destino deles. As festas de Réveillon e o Carnaval lembraram à população os momentos em que essa atividade era ainda mais relevante. Tanto que artistas se mobilizaram para que os valores arrecadados em algumas lives nesse período fossem designados para as cooperativas de catadores.
Isso nos leva à visão daqueles que permanecem em casa. Mantendo o contato com 100% do lixo que produzimos, conseguimos dimensionar melhor. Particularmente, mesmo com uma busca por adquirir a menor quantidade de plástico possível, a pandemia escancarou que – o que achava que sobrava – ainda é muito. Ainda que importantes, os sacos de mercado ou a troca de produtos industrializados ou embalados por compras a granel são paliativos – o plástico ainda domina a ponto de ter espaços reservados nos armários. “Descarte”, então, traz uma questão fundamental, que é a de terceirização de responsabilidades. Leonardo Brant não quer se limitar a uma conscientização do mercado consumidor, não se contenta em apelar para a reflexão do espectador. O filme entende que precisamos ultrapassar essa ideia (até diria um pouco) romântica de revolução silenciosa em nossos apartamentos. Porém, a obra cumpre uma importante função, levando conhecimentos básicos sobre assuntos ainda pouco difundidos, desde o upcycling até o consumo minimalista.
A mobilização dentro de casa ainda é importante, mas (e cada vez mais) parece ser um ato de fé (assim como sair de máscara e respeitando o distanciamento). O documentário, entretanto, elenca projetos que vão além da ressignificação do lixo, mas enxergam um potencial imenso, já que estamos diante de produtos feito com materiais duráveis. Acredito que a obra fará parte da próxima edição da Mostra Ecofalante de Cinema, já que sua formatação é ideal para o evento – e vale mencionar que essa foi uma das coberturas mais importantes da Apostila de Cinema em 2020. Sua realização durante a pandemia faz com que alguns momentos sejam captados pelos próprios entrevistados ou pessoas próximas e que o som do filme seja ajustado para trazer mais regularidade, uma pós-produção mais difícil do que o habitual, mas que soa imperceptível ao público. Muito porque as montagens iniciais e seu dinamismo já nos envolvem no assunto de plano.
O que traz esperança é que a rede de supermercados Atacadão é a patrocinadora da obra. Em um contexto onde um governo institucionalmente dá de ombros para qualquer tipo de ação social positiva – da pauta identitária ao ambientalismo – a sociedade civil se organizar é parte importante do jogo. O leque é bem mais amplo do que apenas falar em mudanças legislativas ou formar uma base de pensamento crítico para a próxima eleição. O planeta não aguenta mais esperar. “Descarte“, então, aparece como uma semente plantada naquele seu serviço de streaming favorito.
Veja o Trailer: