Extermínio

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49º Festival de Gramado | ApostilaSinopse: Extermínio propõe uma reflexão sobre a vida das mulheres trans de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul a partir de um assassinato ocorrido em 2016. Memórias, provocações, histórias de vida que se cruzam em uma trama sobre as dificuldades de viver e ser trans no interior do país.
Direção: Mirela Kruel
Título Original: Extermínio (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 13min
País: Brasil

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Dar os Nomes

Encerrando a apresentação dos três selecionados da mostra de longas-metragens gaúchos, “Extermínio” possui nome de filme pós-apocalíptico, mas trata do sofrimento e crueldade da vida real. O documentário de Mirela Kruel é mais um a colocar luz sobre o preconceito e os crimes de ódio praticado contra pessoas LGBTQIA+. Parte do assassinato da jovem Nickolle Rocha em Cachoeira do Sul para trazer a realidade de outras mulheres trans daquele território.

O fato ocorreu no ano de 2016. Nickolle, de 19 anos, foi agredida até a morte por dois adolescentes, motivados por homofobia. Nas duas pontas da obra, colegas lembram da personalidade e de suas experiências com a moça, mas no núcleo da narrativa compartilham com o espectador as próprias experiências. Um roteiro de vida que, infelizmente, se repete. Da descoberta à auto aceitação, passando pelo julgamento de seus pares. A impossibilidade professar a própria fé pela ausência de acolhimento e a reposição hormonal tão importante em suas trajetórias psíquicas, mas que se tornam motivos de mais preconceito por parte da sociedade.

O que mais dói ouvir em “Extermínio“, sem dúvida, são os sonhos daquelas mulheres. A cineasta entende o peso destes momentos e o coloca de forma estratégica na montagem. Uma delas, quer apenas ter uma família. Isto porque a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos – e não precisa nem tentar mensurar a disparidade em relação à população cis. Todos os elementos que envolvem esses dados são apresentados por aquele grupo na cidade da região central do Rio Grande do Sul.

Inclui, entre elas, uma mulher trans com deficiência visual, adicionando outras questões que a impactam. Retrata uma geração talvez mais disposta a lutar por inclusão, um pouco diferente da tática que buscava a visibilidade refletida por nós na crítica e entrevista relacionada a “Luana Muniz – Filha da Lua“. Para além da falta de acolhimento familiar e comunitária já mencionada, a total ausência de oportunidade impossibilitam uma atividade laboral tradicional.

Sendo assim, uma delas registra que o seu sonho era ter um emprego de carteira assinada – algo cada vez mais difícil para a população em geral e inviável para uma mulher trans, mesmo com formação – lembrando que a capacitação profissional é interrompida ou não chega sequer a ser cogitada em virtude dela, a falta de acolhimento, que muitas vezes tiram um lar seguro de suas vidas. Isso faz com que muitas delas vejam na prostituição a única forma possível de obter renda.

Com isso, cada vez mais elas se tornam alvos da sociedade. As necessidades urgentes de sobrevivência as levam às ruas, o que reforça o estereótipo e torna livre o caminho da homofobia e da violência contra elas praticada. O que leva à morte. Por isso, o sonho de uma delas de assistir o crescimento da sobrinha pega o espectador de jeito. Quanto mais consciência um mulher ou homem trans adquire, mais nítida se tornam os desafios para se manter vivo – e ainda mais os motivos.

Em relação à Nickolle, “Extermínio” traz duas importantes questões. Na parte final do documentário, a reconstituição de um crime onde a justiça não foi promovida. Aliás, só seria caso a legislação se altere para que a vida de pessoas vulneráveis seja protegida, com endurecimento de pena e a transformação da homofobia como uma pesada agravante. Para isso, a sociedade precisa colocar o debate em mesa. Em Cachoeira do Sul, todas que possuem boas lembranças da vítima ou sentem as mesmas dores criaram o Coletivo LGBT Nickolle Rocha, uma das sementes capazes de promover tais questionamentos.

Já a outra questão surge logo de plano no filme. Uma barreira de apagamento a mais, que supera o silenciamento das jovens trans. O direito ao nome, que a ficção trouxe tão bem em “Valentina” (2020) – que, por sinal, estreia nesta quinta-feira no circuito comercial. Ainda vivemos uma realidade onde o respeito ao legado e os desejos exprimidos em vida pelos cidadãos são levados em conta. Do patrimônio, tão valioso nas engrenagens para a burguesia, há infinitas leis sobre herança. Já a doação de órgãos, capaz de salvar outras vidas, ainda com muita burocracia familiar.

Mas e o nome? E tudo o que nos resta quando não nos resta materialmente nada neste plano de existência? Nem ele uma mulher trans como Nickolle consegue ter o respeito do Estado, da sociedade, do olhar opositor. No meio de tantos sonhos que as falas das personagens trazem, o desrespeito ao próprio nome mostra o quão longe estamos de permitir que elas os realizem.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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