Forman vs. Forman

Forman vs. Forman

Sinopse: Um revelador documentário sobre o mais famoso cineasta tcheco, Milos Forman, duas vezes ganhador do Oscar. Por meio de um valioso tesouro de imagens de arquivo, o filme ajuda a entender como Forman superou sistemas (do nazismo e o comunismo até Hollywood) de forma a moldar seu cinema de resistência. Um tributo sincero e comovente que mostra um artista sempre em meio à luta política e de criação.
Direção: Helena Třěštíková e Jakub Hejna
Título Original: Forman vs. Forman (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 18min
País: República Tcheca | França

Forman vs. Forman

O Vendedor de Realidades

Milos Forman foi uma das grandes testemunhas do século XX e, instado a dar sua contribuição, escolheu o Cinema. Em “Forman vs. Forman” os diretores Helena Třěštíková e Jakub Hejna se propõe a trazer um panorama dinâmico da vida e obra do falecido cineasta tcheco, que é daqueles que tinham o orgulho de dizer que possuía, pelo menos, duas obras-primas no currículo. Apresentado na sessão do início da tarde do primeiro sábado da 25ª edição do Festival É Tudo Verdade, espera-se que aqueles que tencionam transformar o audiovisual em meio de trabalho reconheçam ali o grande artesão que Milos foi.

O documentário, que se vale de imagens de arquivos, inicia com uma curiosa análise do biografado. Nascido em uma cidade de pouco mais de seis mil habitantes, o europeu radicado em Nova Iorque materializa o peso da diferença apontando para um prédio comercial. Um espigão em que, naquele momento, deveria concentrar mais gente do que sua terra natal. Forman, coadunando-se com uma geração setentista, via naquela maçã cosmopolita e confusa um espécie de inspiração. Dificilmente teríamos o mesmo Forman em uma mansão de Hollywood, ao invés daquele que morava em um hotel de NY. Porém, essa escolha teve seu preço quando um indivíduo, mesmo após fugir no nazismo e do regime comunista soviético, se viu na terra das possibilidades, onde bastaria ser ele mesmo.

Um intercâmbio cultural não é assim tão simples e um artista como Milos, contador de histórias e buscando sempre a autoria, pode acabar como ele: impotente em uma cama. O que fez o biografado se tornar cineasta foi buscar uma via alternativa aos filmes propagandistas produzidos em seu país. Interessado e, por consequência, conhecedor de seu território e seu povo, ele produz na década de 1960 uma filmografia que se referencia no que havia de moderno no cinema da época, em processo de reinvenção a partir do resgate de clássicos antes subestimados. Com isso, chega a Cannes no fatídico ano de 1968, quando o festival não ocorreu em virtude dos protestos que tomaram conta do Ocidente. A ficção recente usou este momento como mote do longa-metragem “O Formidável” (2017), no qual Louis Garrel interpreta Jean-Luc Godard. Uma produção que possui característica parecida com a buscada por Helena e Jakub em seu “Forman vs. Forman“: a acessibilidade, tornando inteligível mesmo a quem não conhece a fundo a História do Cinema ou assistiu ao compilado de filmes ali tratados.

Formando sua personalidade em um país de muitas divisões políticas, Forman conviveu com capitalistas e socialistas em um internato após perder contato com a família por conta da morte do pai em um campo de concentração. Na universidade, grandes estudiosos e realizadores audiovisuais, com medo de perseguição, optaram por uma espécie de “exílio interno”, como professores. O diretor, então, soube reconhecer e aprimorar formas de fazer com atributos de resistência sem panfletarismos. Apesar dessa forma ser muito importante, pessoas como Milos podem funcionar como ponto de convergência, unanimidades que acabam por desenvolver um criticismo sem que o público perceba. Sendo assim, suas obras do período tcheco se valiam da abordagem mais mundana, exagerando nas palavras e no sexo, com claro intuito dos cortes da censura irem para o lugar exato que ele queria. No que “sobrou” era possível fomentar o debate na experiência de assistir ao filme.

Só que o sucesso não lhe cai bem. Chega aos Estados Unidos com uma crise existencial. Como pode um contador de histórias produzir obras com carga autoral se está inserido em uma cultura sem raízes? Não havia a barreira linguística, já que Milos se comunicava bem em inglês. A carência era traçar um discurso e fazer cinema para um país em que ele não passou a infância, a juventude, não amou, não lutou. O diretor, então, precisa se adaptar e ser um contador de histórias partindo de materiais pré-existentes. Um artesão de imagens, como Stanley Kubrick e Robert Altman, que por ele foi derrotado no Oscar de 1976 mesmo dirigindo outras duas obras-primas: “Barry Lyndon” e “Nashville“. Com “Um Estranho no Ninho“, Milos Forman prova a si mesmo que, além do que se conta, é fundamental como se conta.

O que se seguiria depois do arrebatamento de uma produção que venceu os prêmios da Academia em todas as categorias principais, foi uma liberdade de escolhas de projeto. O cineasta soube aproveitar bem. Em 1979, quase dirigiu da janela de seu hotel em Nova Iorque a adaptação de “Hair“, um projeto que ele sempre quis desenvolver ao assistir a peça na Broadway e que acontece quase todo no Central Park. Mas, o outro ponto alto de sua carreira seria em 1984, com “Amadeus“, quando conquistou o segundo Oscar, vencendo outro poeta da imagem, David Lean, que havia lançado “Passagem para a Índia“. Aos poucos, Milos foi encontrando maneira de fazer o que os grandes artistas conseguem: inserir o elemento autobiográfico em suas criações. Salieri era a representação da mediocridade que deveria ser aceita pelo próprio diretor.

Longe da conotação negativa que muitos dão ao medíocre, o biografado foi um profissional que se forjou a partir da observação. Dos ambientes pelos quais transitou e no mercado onde trabalhou. Inserido na lógica da Nova Hollywood, convenceu os produtores do “Um Estranho no Ninho” a ser o diretor por não utilizar o expediente muito comum às reuniões e pitchings que envolve grandes orçamentos e célebres nomes no audiovisual dos Estados Unidos. Não entregar tudo o que se quer. Ele não escondia o jogo e apresentava suas intenções de imediato. Doutrinado a não perder tempo e evitar prometer ou criar expectativas que não teria certeza se cumpriria, observamos em “Forman vs. Forman” que Milos passou por um ambiente de sonhos sem comercializá-los desnecessariamente. Ele se destacou por ser um vendedor de realidades.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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