Jair Rodrigues – Deixa que Digam

Jair Rodrigues Documentário Crítica É Tudo Verdade Pôster

Sinopse: Jair Rodrigues, o retrato de um artista e de um Brasil tão próximo e tão distante.
Direção: Rubens Rewald
Título Original: Jair Rodrigues – Deixa que Digam (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 36min
País: Brasil

Jair Transcendental

Toda vez que Jair Rodrigues abre a boca seja para cantar, seja para contar causos, hipnotiza. É difícil transfigurar (ainda que sejam algumas partes) de um homem assim e “Jair Rodrigues – Deixa que Digam”, consegue. Em um trabalho de pesquisa no qual se dá para aplaudir todos os setores porque a noção de integralidade fica evidente, o roteiro de Rodolfo C. Moreno e Rubens Rewald, a montagem de Alexandre Dias, Guta Pacheco e Willem Dias, a pesquisa também de Rodolfo, ao lado de Fernanda e a própria direção novamente de Rewald conseguem trazer às telas o caldeamento que é Jair Rodrigues. Parte da programação do Festival É Tudo Verdade 2020, o filme é imperdível.

Jair Rodrigues transborda tudo. Mistura de Erê, correndo, dançando, brincando, virando, literalmente, a cabeça para o solo, Jair é também caboclo velho que com seriedade passa os ensinamentos mais valiosos. Aqueles que ficam ressoando em nossa cabeça como um metrônomo. Como diz Rappin’ Hood, o rapper nunca se esquece do dia que Rodrigues o encarou nos olhos e disse: “você é um homem preto, dê o seu melhor“.

Jair, contrariamente a muito de nós, certamente, não precisava de metrônomo. Nem para música, nem para vida. Ao saber bailar com uma capacidade única de interagir com todos os ritmos trouxe a música do Terreiro, o Congado, a música negra em toda sua diversidade em um momento no qual a bossa-nova havia tomado conta dos ouvidos dos brasileiros.

A música de gira de Jair não precisa se dizer de gira porque o é. “Jair Rodrigues – Deixa que Digam” resgata um pouco desse ativismo que não se fazia em palanques ou discursos, mas se apresentava no próprio corpo do cantor. Basta olhar. A corporalidade, os compassos únicos advindos de todas as referências negras que adquiriu em sua infância e adolescência, a relação íntima com o samba. Jair é um dos cantores negros mais importantes de um geração brasileira. E, talvez de todas.

O trabalho rigoroso da equipe de pesquisa revela esses momentos quase em transe, mas também um cantor muito consciente de que seu corpo era sua própria política. Ser cantor negro saindo da Era do Rádio e entrando na Era dos Festivais era mostrar todas essas misturas. Altivo, espevitado, alegre. Jair.

Salloma Salomão, pesquisador de música popular brasileira (vencedor do kikito de melhor trilha musical pelo impressionante trabalho no filme “Todos os Mortos“), está certo. Deveríamos produzir uma infinidade de teses sobre esse alfaiate que conseguiu transgredir a música nacional em tantos sentidos. “Aconteceu tudo. Por que não misturar tudo?” , revela Hermeto Pascoal em um depoimento sobre conversa com cantor. Jair foi capaz de trazer Elis Regina (em sua presença também atemporal), Rappin`Hood, Hermeto Pascoal, figuras do samba carioca. O que dizer de um artista que consegue se unanimidade em tantas vertentes?

Só em conseguir explorar essas facetas de Rodrigues, “Jair Rodrigues – Deixa que Digam” já é um dos melhores documentários musicais do ano. Mas, não é só isso. Em sua montagem já elogiada, traz também o Jair pai, irmão, filho, marido. Traz o Jair gente, como ele sempre quis se mostrar. Traz o Jair que ri, gargalha, pula, dança como ninguém. E, finalmente, traz o Jair que chora.

Não há ninguém e jamais haverá alguém como Jair nos palcos. Com gestos, ginga e dança. Jair brincava pelo mundo. E chorava quando esse se apresentava muito pesado. Mas, logo enxugava as lágrimas porque sabia que havia uma melodia que só poderia sair do seu corpo.

Retraçando desde suas apresentações iniciais recém-saído do interior de São Paulo , até o estouro do programa Fino da Bossa, que apresentava junto à Elis Regina e abordando também os últimos anos de produção e vida do inexplicável Jair, “Jair Rodrigues – Deixa que Digam” emociona, mas também dá uma aula de pesquisa documental e edição. Impossível acabar o filme sem sentir saudades do sorriso que já não mais veremos em novos takes, mas que está guardado para sempre em nossas memórias.

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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