Sinopse: O ocaso da carreira do compositor Zé Keti. O triste retrato do plenário do Congresso Nacional fechado em 1977. A dor de uma mãe que perdeu a filha de 15 anos atropelada. Os presidentes do Brasil, desde Castelo Branco. São personagens e cenários registrados pelo olhar aguçado e sensível do fotógrafo Orlando Brito ao longo de 50 anos de profissão. Dos bastidores da política aos brasileiros do interior do país, Brito relembra experiências, fala sobre o papel do fotógrafo e a dor de registrar a dor de alguém.
Direção: Claudio Moraes
Título Original: Não Nasci para Deixar meus Olhos Perderem Tempo (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 12min
País: Brasil
Revelando a História
Pelas lentes de Orlando Brito já passou um Brasil que não existe mais. “Não Nasci para Deixar meus Olhos Perderem Tempo“, documentário de Claudio Moraes exibido no Festival É Tudo Verdade 2020, não quer fazer juízos de valores sobre o que se enquadra em cada fase da História recente do país. O filme flutua tal qual seu biografado, artista e fotojornalista que, para ser testemunha ocular, precisa ter um lente, não a mente, limpa. Talvez por isso a montagem trace um prólogo em que Orlando fotografa um protesto contra o desmonte da educação pública do atual governo, para viajar até os meandros da ditadura militar em poucos minutos.
Em 13 de dezembro de 1968, com cerca de três anos de carreira, ele cobria a edição do Ato Institucional nº 5 pelo Última Hora, de Brasília. Porém, a imagem que chama a atenção nas mais de quatro décadas de cobertura política, vem no Pacote de Abril de 1977, série de medidas que, no dia em que o golpe militar completava treze anos, fecharia o Congresso Nacional da noite para o dia. É sempre bom lembrar (ainda mais nesses tempos) que regime autoritário e antidemocrático não marca hora para acontecer, é um processo. De repente, aquele dia que imaginávamos ser comum, se revelava ter um importante movimento no curso de uma nação.
Quando não é assim – e um fato é inegavelmente relevante – ele acontece às escondidas, sem alarde. Por isso dependemos não apenas de uma cobertura midiática isenta, mas da existência de figuras como o personagem de “Não Nasci para Deixar meus Olhos Perderem Tempo“, para estarem ali, revelando e nos surpreendendo ao amanhecer do dia. Um profissional autodidata que em 1965 registra o Carnaval e, dali, se torna um dos principais fotojornalistas do Brasil. Moraes não se concentra no desempenho político de Orlando e lembra lendárias figuras nacionais que foram vistas por suas lentes.
Com isso, chegamos ao famoso pano vermelho que Brito carrega consigo e possui múltiplas funções em sua composição de imagem. Podendo ser um contraste, um adereço, uma parte do figurino ou do cenário. Com ele foram clicados João Cabral de Melo Neto, Leônidas da Silva, Mario Lago e Grande Otelo, dentre outros. Figuras que, a despeito de sua fama, não eram adeptas da midiatização suas imagens. Um trabalho que, apesar de custoso, valeu a pena por deixar esse legado de uma idealização de nação – com a mesma romantização sobre a China que mencionamos em “A Ponte de Bambu” – que hoje parece impossível. E, os que motivam tal resgate, não parecem ter as melhores das intenções.
Há um equilíbrio entre essa representação de ícones culturais e o olhar crítico sobre as mudanças políticas do Brasil ao longo de todo o documentário. Também há espaço para o registro do cotidiano e as histórias do povo que ele também conta – momentos vinculados à fase de governos mais populares, como o de Lula. Ademais, a religiosidade tem seus momentos. O cineasta, de forma acertada, evita segmentações isoladas ou até mesmo um apego desnecessário à temporalidade, tornando sua obra mais dinâmica. Traz o peso das fortes implicações do fotojornalismo em nossa realidade, sem precisar tecer elucubrações exageradas para contextualizar o que já faz parte de nossa rotina, mesmo com as transformações da difusão midiática.
A imagem tem um prazo de validade incomensurável. Em determinado momento de “Não Nasci para Deixar meus Olhos Perderem Tempo“, a onda que elegeu Fernando Collor Presidente do Brasil é tratada. Não fossem artistas como Orlando, é como se aquela febre não tivesse existido, visto que milhões de eleitores em poucos anos passaram a ignorar seu voto, em uma tentativa de auto apagamento. Registros de uma fase que o fotógrafo confessa que somente depois de um tempo ele entenderia as dimensões de seu registro. Por sinal, essa é uma das grandes magias de quem produz imagens. É a incerteza quanto ao se, onde e como elas se revelarão de inestimável valor para nossa formação individual ou coletiva.
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