Sinopse: 1979, revolução no Irã. 1980, revolução na Polônia. A queda do xá, o rei dos reis, no Irã. Greves gerais e o movimento Solidarnosc na Polônia. Em “O Rei Nu” nos perguntamos: o que passou pelas mentes daqueles garotos e garotas naqueles momentos? E o que aconteceu com eles quando as revoluções passaram ou, no caso iraniano, depois que uma elite religiosa e autoritária chegou ao poder?
Direção: Andreas Hoessli
Título Original: Der Nackte König – 18 Fragmente Über Revolution (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 48min
País: Polônia | Suíça
Em Ebulição
“O Rei Nu” nos traz um exemplo de como o mundo, por vezes, parece em estado de ebulição. Em “Silêncio de Rádio” falamos do eclipse progressista latino-americano do início do século XXI. Em vários textos resgatamos o momento de mobilizações populares de parte da década de 2010, quando as mídias sociais, ainda sem uma ditadura do algoritmo muito eficiente, permitiu um encontro de pessoas com anseios que nem elas conseguiriam compreender. Sob essa mesma premissa, o cineasta Andreas Hoessli nos transporta para o final da década de 1970. Uma linha temporal e duas espaciais: Irã e Polônia, cada qual com suas preocupações internas.
Um documentário muito rico em propostas, com uma edição que consegue, ao mesmo tempo, causar um sentimento de mistura referencial àqueles que não têm o domínio dos registros históricos e o prazer de uma jornada dupla pelos escritos do grande jornalista literário polaco Ryszard Kapuściński. Sob sua narrativa – que ao mesmo tempo que tem profundo conhecimento de causa em relação ao seu país de origem aplica um olhar estrangeiro especializado sobre a questão iraniana – somos parte dessa “figuração” do serviço secreto soviético que tentava manter sob controle as nações sob seus tentáculos.
Sendo assim, “O Rei Nu” contempla, em montagem paralela, a resistência ao regime do xá Reza Pahlevi e o movimento grevista liderado por Lech Walesa. O primeiro teve seu ápice na manutenção em cativeiro de representantes da embaixada dos Estados Unidos por quase 450 dias. O segundo se desdobrou para a fundação da Solidarność, importante federação sindical e que transformariam seu líder no Presidente do país dez anos depois. Durante a experiência de assistir ao longa-metragem reflito uma injustiça para com ele. A complexidade das relações e o desapego às linhas territoriais traçadas provocaram um estranhamento na maratona de um festival que, no dia anterior, tinha entregue um filme tão envolvente quanto “O Espião“.
Porém, a obra é valiosa em sua abordagem. Hoessli traz uma complementação na construção de imagens muito parecida com o que Andrés di Tella fez em “Ficção Privada“. Mesmo com um acervo impressionante de arquivo, ele por vezes opta por nos aproximar das palavras de Kapuściński com um olhar sobre Irã e Polônia modernos, em que ao mesmo tempo propõe uma projeção sobre como aquelas figuras históricas se comportariam em espaços tão ressignificados nos últimos quarenta anos. É curiosa a ideia de que, há momentos, em que a revolta pode ter como objetivo promover um sentimento de liberdade – o que, no longo prazo, nos leva a uma emancipação. Porém, essa emancipação, de fato, ocorreu?
Uma construção de medo provocado por políticas de idolatria de líderes. A mitificação de governantes (cuidado com isso) com a contribuição de monitoramento de quem poderia agitar uma oposição bem estabelecida. Por fim, reserva em seu trecho final importantes questionamentos sobre os reflexos dos fatos por ele resgatados “O Rei Nu“, tanto em Teerã quanto em Gdańsk, nos prova que regimes autoritários ao redor do planeta e através do tempo costumam reiterar práticas, reutilizar ferramentas. A inventividade é privilégio do povo, que – ao definir qual calo está sendo pisado – se mobiliza da forma que entende ser a correta. O que, a princípio, parece uma salada histórica, na verdade são dois países conectados antes que aprofundamento da globalização ampliasse nossa sensação de infindáveis efeitos borboletas.
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