Sinopse: Compositor prolífico e um dos poetas mais celebrados da música brasileira, Paulo César Pinheiro é autor de Canto das Três Raças e O Poder da Criação, entre outros clássicos do samba, do samba-enredo e da canção. Parceiro de Baden Powell, Tom Jobim e Edu Lobo, foi gravado por Elis Regina, Clara Nunes e Maria Bethânia. Aqui, sentado em seu sofá, ele reflete sobre a natureza humana e conduz uma viagem que evoca e envolve grandes nomes da MPB, cobrindo meio século de música, do auge da era dos festivais ao período das canções de protesto contra a ditadura militar.
Direção: Andrea Parates e Cleisson Vidal
Título Original: Paulo César Pinheiro – Letra e Alma (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 25min
País: Brasil
O Nome por Trás da Saudade
Dentro da competição de longas-metragens nacionais do Festival É Tudo Verdade 2021, o documentário “Paulo César Pinheiro – Letra e Alma” é a prova de que a arte tem o poder de nos encantar. Revelando um biografado com profundas e problemáticas questões saudosistas nas duas pontas, o que fica para o espectador é o embalo de uma viagem por algumas das grandes músicas brasileiras das últimas décadas.
A obra de Andrea Parates e Cleisson Vidal cumpre seu grande propósito: apresentar a quem não conhece o nome por trás de algumas das mais lindas canções da MPB. Não apenas “O Poder da Criação” e “O Canto das Três Raças”, imortalizados por João Nogueira e Clara Nunes, respectivamente. Deixemos quem ainda não assistiu descobrir por si só outras, mas vale mencionar “O Samba é Meu Dom”, que – na voz de Wilson das Neves – ainda foi capaz de me emocionar. A música tem essa capacidade, de se imortalizar e de renovar nossos sentimentos. No caso daquelas compostas por Paulo César Pinheiro, muito da carga provocadora vêm das palavras.
Porém, nem tudo são celebrações em “Paulo César Pinheiro – Letra e Alma“. A primeira nos leva ao próprio uso do termo MPB, como se fosse um recorte amplo da manifestação de cultura popular do país. Isso se conflita com um estranhamento logo nas primeiras falas do biografado. Longe de taxá-lo de elitista, mas soa atravessada a ideia de que há espaços do próprio Rio de Janeiro (que ele sempre teve nas mãos) os quais ele não pode mais frequentar. Algo que se vinculará na outra ponta do filme, quando ele apresenta uma canção profundamente saudosista ao lado de esposa e filhos, todos músicos.
Já tratamos dessa maneira de pensar – totalmente legítima mas excessivamente pessimista. Foi quando escrevemos na cobertura da Mostra Tiradentes deste ano sobre a obra de abertura, “Ostinato“. Tanto Arrigo Barnabé quanto Paulo César evocam para si um ritmo de vida e um conhecimento que os tornariam pessoas à margem da forma de existência atual. Uma narrativa que parece criar um privilégio de entendimento que afasta de nosso convívio mentes brilhantes e com poder de criação, para citá-lo frontalmente.
Ocorre que, no recheio dessas manifestações, o documentário é primoroso na maneira como expõe as contribuições do artista. Usando um expediente parecido com “Paul Singer, uma Utopia Militante“, outra produção nacional do festival, apresenta tal qual uma longa entrevista a visão linear e autobiográfica de seu protagonista. Sua formação musical na Mangueira e o Tuiuti, o início precoce na poesia, os clássicos festivais da canção, os primeiros sucessos na voz de Elis Regina e Originais do Samba e, enfim, a parceria de trabalho e vida com Clara Nunes.
Paulo César é daqueles que sempre estiveram ali. Na tentativa de burlar a censura, nos deu “Pesadelo” pelo MBP4. Com seus estudos sobre religiões afro-brasileiras, canções como “Carta de Amor” de Maria Bethânia. Provando seu amor pela gênese da cultura popular, deu a Zezé Motta uma versão musical de “Sagarana”. Quando parecia não querer provocar, também provocava – como no hino da anistia “Tô Voltando” pela interpretação de Simone – mostrando na prática como a absorção pelo público pode levar a outros entendimentos, por vezes mais profundos do que o dono da obra imaginava.
Por isso é tão desolador assistir “Paulo César Pinheiro – Letra e Alma” e ver que seu protagonista, de tanto talento, acha que a realidade não o comporta. Parece uma mistura de saudosismo e desmotivação de abrir alas para o que está aí. Não podemos acreditar que outros compositores desta potência surgirão e tornarão novos momentos de nossa vida, quando esse vendaval passar, inesquecíveis através de suas palavras.
Ouça “O Samba é Meu Dom”, na voz de Wilson das Neves:
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