Silenciadas

Silenciadas Filme Netflix Crítica Pôster

Sinopse: “Silenciadas” nos leva ao País Basco, no ano de 1609. Para adiar sua execução, um grupo de mulheres acusadas de bruxaria se oferece para realizar um Sabbath para o inquisidor.
Direção: Pablo Agüero
Título Original: Akelarre (2020)
Gênero: Drama | História | Aventura
Duração: 1h 30min
País: Espanha | França | Argentina

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Conseguir o que Quer

Inspirado na caça às bruxas promovidas no início do século XVII pelo juiz Pierre de Lancre (popularizada pelo historiador francês Jules Michelet), “Silenciadas” é mais uma produção espanhola (em parceria com França e Argentina) que chega à Netflix em 2021. Dirigido por Pablo Agüero, o longa-metragem é bem mais minimalista do que o sucesso do mês passado, a comédia romântica “Loucura de Amor“. Fazendo um recorte de um grupo de amigas acusadas de bruxaria após a participação em uma festa em seu vilarejo, temos aqui quase um exercício de desenvolvimento de um clímax, poderoso e capaz de deixar uma vistosa (e virtuosa) impressão final ao espectador.

A Academia de Cinema do país se impressionou positivamente com o filme. Foram nove indicações ao Goya, com cinco prêmios, todos em categorias técnicas. Boa parte da ambientação e das sensações se baseiam na equipe por trás das câmeras. O jovem elenco segura bem todo o peso dramático, até porque são muitos os momentos em que a tensão de fatos são expressas em monólogos – ou a partir da abordagem inquisidora de Rostegui, vivido por Alex Brendemühl. Um dos prêmios foi para a fotografia de Javier Agirre, em um bonito trabalho de contraste entre os ambientes da detenção das jovens com as imagens relacionadas à liberdade que elas, injustamente, perderam.

Consequência da ampliação de riqueza e domínio após um século de colonização na América, a relação estreita entre Estado e Igreja Católica fez daquele período o mais incendiário de caça às bruxas. Nunca grande o suficiente para rivalizar com os pilares de dominação religiosa e governamental, o esmagamento se fez necessário por ter em sua essência uma conscientização que caminhava para uma longa trajetória de emancipação feminina. Afastadas de qualquer manifestação de poder, elas desenvolveram suas próprias interações – morando aqui a ameaça real. O julgamento das bruxas bascas é lembrando até hoje e é nesse contexto que o cineasta, ao lado de Katell Guillou, desenvolve seu texto.

Desta forma, “Silenciadas” nos deixa quase todo o tempo entre a claustrofobia da masmorra onde as jovens estão detidas e os depoimentos promovidos pelo agente da lei, sempre ao lado do Padre Cristóbal (Asier Oruesagasti). As meninas María (Yune Nogueiras) e principalmente Ana (Amaia Aberasturi) articulam melhor suas palavras – questionam, inclusive, o representante da Igreja sobre suas inocências. Só que estamos em um local – e isso é um elemento universalista da trama – onde as opiniões já estão formadas, a desculpa da imparcialidade e da equidade é apenas um método de salvaguardar a si mesmo. Por serem mulheres ocupando aquele espaço, possuem presunção de culpa. Os argumentos se forjam a partir de análises do gestual ou em perguntas sobre o hábito de dançar, por exemplo. Tudo é desculpa para enquadrarmos como feitiçaria – e esqueça a lógica cristã de que a verdade vos libertará.

É quando elas decidem, então, dar aquilo que a sociedade quer delas. Um método de sobrevivência que vem desde que Sherazade atrasou em mil e uma noites seu destino. Ao ver que o objetivo do circo inquisitorial era matar com fogo dezenas, centenas de pessoas como elas, recebem o destino quase escrito como uma convocação. Por mais que algumas representações aqui tornem a experiência de assistir o filme pouco desafiadora, quase como uma contação de histórias bem menos teatral do que de costume, aos poucos a câmera de Agüero vai transformando aqueles espaços em sufocamento. A violência ligeiramente aumentada vai nos abalando, fazendo a manutenção de expectativa – que desde os primeiros minutos lemos enquanto opção narrativa – ganhar um pouco mais de força.

É uma história que ganha contornos a partir da verbalização das intenções das protagonistas. Essa aceitação, transformada a partir da entrega daquilo que os inquisidores querem, é expressa nas masmorras. Talvez não tenha a mesma potência de convencer o Rei Shariar ou de jogar xadrez com a morte de “O Sétimo Selo” (1957) – apesar de ter uma sequência que aproveita as colinas de Lesaka, pequena cidade na província de Navarra, onde “Silenciadas” foi filmado, para emular a clássica Dança da Morte, transportada por Bergman da mesma Idade Média para a era clássica do Cinema. Com a diferença de que, como lembrou bem o documentário brasileiro “Para Onde as Feiticeiras Voam” (2020), as bruxas na visão de seus antagonistas, são capazes de voar.

As atrizes Yune Nogueiras e Amaia Aberasturi se destacam nos momentos em que precisam prender a atenção (nossa e de seus algozes) em interpretações envolventes. Aquelas mulheres precisam identificar muito cedo quais são os verdadeiros demônios de suas existência e usam a curiosidade deles para, mesmo que metaforicamente, comer você-sabe-o-que deles. A lição, infelizmente, parece nunca envelhecer. Previamente condenadas, convivendo com o olhar inquisitorial da sociedade e aguardando o rótulo de bruxa louca, amante do diabo. “Silenciadas” não quer olhar o passado, porque acredita não ser necessário qualquer anistia às suas personagens. É apenas uma potente história sobre vozes que o destino reservou dia e hora para calar. O desafio, então, é tentar voar o mais alto que puder.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

1 Comment

  1. Grande película! Fotografia, direção, atuações, enredo e tema antepostos muitíssimo arrematados neste também feminista longa ótimo. Merecida nota 9,5.

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