Sinopse: Das 73 mil pessoas que foram forçadas a abandonar a região de Sobradinho, Dona Pequenita foi a única a retornar. Moradora solitária em uma cidade fantasma, ela recebe a visita de três assistentes sociais que foram responsáveis por convencer a população a sair, à época.
Direção: Marília Hughes e Cláudio Marques
Título Original: Sobradinho (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 10min
País: Brasil
Fantasmas do Progresso
Um dos poucos participantes da competitiva latino-americana de longas-metragens da 10ª Mostra Ecofalante de Cinema que a Apostila de Cinema não havia assistido era “Sobradinho“. E não foi por falta de vontade, já que somos admiradores das narrativas dos cineastas Marília Hughes e Cláudio Marques, como denota os textos de Roberta Mathias sobre “A Cidade do Futuro” (2016) e “Guerra de Algodão” (2018).
Neste documentário, a personagem central é a Dona Pequenita, que retorna ao território devastado há quatro décadas para a construção de uma usina hidrelétrica. Os cineastas contrapõem logo de plano as imagens do progresso e os escombros das quatro cidades dizimadas, sociedades enterradas em escombros. Se nas duas bem-sucedidas produções anteriores, eles usavam a ficcionalidade pelo viés do estranhamento, não deixava de chamar a atenção alguns aspectos envolvendo a linguagem documental. Das mais simples, como usar os nomes dos atores como o pronome de chamamentos dos protagonistas até a instigação criada a partir das representações observatórias, típicas do audiovisual brasileiro contemporâneo.
“Sobradinho” é mais uma vez Marília e Claudio trazendo aspectos culturais da Bahia, tanto de sua capital e grande certo urbano quanto de seus grotões. No uso de depoimentos atuais com fotografias amareladas de arquivo, nos faz refletir sobre como certas medidas estatais – feitas para agradar de forma direta a classe empresária – serão lidas pelas gerações futuras. Há alguns anos se falou muito da Usina de Belo Monte no Xingu na região Norte, da transposição das águas do Rio São Francisco na região Nordeste ou não desocupações de áreas estratégicas para realizações de grandes eventos na região Sudeste. Tudo parecia fazer sentido em nome do progresso.
Todavia, por trás dessas decisões havia não apenas ativistas socioambientais ou defensores de interesses coletivos pensados de forma difusa. Havia famílias, indivíduos e suas complexidades, aos quais lhe foram negados o direito de permanência, a liberdade de ter as rédeas da própria vida sem que a alegação de que o seu vale menos do que o dos outros. Sobradinho é um desses exemplos em que, ao nos depararmos com situações como esta, não falamos apenas de algumas dezenas de cidadãos. Por vezes, como aqui, são milhares.
O documentário assume que está diante de prejuízos irreparáveis. Traça sua trajetória em respeito aos traumas, em reconstituição simples pelo olhar das senhoras que testemunharam a história. Além de Pequenita, um trio de mulheres que negociaram diretamente as transferências e remoções, tendo que lidar com as falsas promessas. Mesmo passados tantos anos, ainda se percebe um toque de inconformismo pelo que foi feito com aquelas famílias em nome de um futuro que nunca chegou – e nunca chegará.
Talvez haja uma face mais importante do filme, aquela que se torna cada vez mais difícil de encontrar não apenas pelos desmontes do setor, mas com a destruição dos patrimônios em incêndios e imprudências administrativas de toda a parte. Aquela que ataca diretamente a matriz ideológica do atual governo federal. “Sobradinho” nos lembra como o Estado sempre vendeu o chamado progresso, em vídeos institucionais como ferramenta de propaganda. E, mais do que isso, contando com o apoio da mídia hegemônica. Muito pela guarida de seu setor de jornalismo, já que a arte, como sempre, encontra seu poder de resistência.
Se o progressismo da Era Lula mobilizou dezenas de atores globais para defender Belo Monte – e uma boa parte talvez não fizesse ideia do que estava defendendo e depois repensou parte do posicionamento – a ditadura militar teve de contraponto obras como a novela “Fogo Sobre Terra“, da lendária Janet Clair. Uma telenovela retalhada pela censura, porque permitia que vozes prestes a serem silenciadas entrasse na casa da massa brasileira em horário nobre. Com o senso de urgência de uma grande obra de ficção, que agora “Sobradinho“, enquanto documentário rememora à espera de que novos casos aconteçam.
Veja o Trailer:
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