Todas as Melodias

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Sinopse: “Todas as Melodias” é um percurso sensível pela vida e obra de um dos maiores artistas da música nacional, Luiz Melodia. Com registros desde os anos 70, o filme apresenta sua trajetória da juventude no morro do Estácio até a consagração como poeta.
Direção: Marco Abujamra
Título Original: Todas as Melodias (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 27min
País: Brasil

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O Alquimista que se Transmutou

Todas as Melodias” passa ao largo do filão de documentários sobre grandes nomes da música popular brasileira (sem as iniciais maiúsculas para não sermos induzidos a um suposto ritmo que não contempla nossa pluralidade). Marco Abujamra consegue, tendo como pano de fundo a passagem do cantor Luiz Melodia por esse plano de existência, construir uma obra socialmente lúdica e politicamente contundente. Mais do que contar a história de uma das mais belas vozes do país, o longa-metragem é produto do seu tempo.

A torcida é para que esta produção não se perca em um congestionamento deste subgênero documental. No próprio 15º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, por exemplo, as sessões de abertura e de encerramento vão no mesmo sentido. Só que “Os Quatro Paralamas” e “Me Chama que Eu Vou” vão por uma estrada que não consegue fugir muito da mera exaltação dos seus biografados. Por mais que a banda de rock seja lida por um recorte específico e Sidney Magal seja generoso em uma autoanálise que torna seu filme bastante íntimo, aqui vamos muito além de uma narrativa de vida e obra.

Melodia faleceu no ano de 2017, aos 66 anos. No ano seguinte, com a mesma idade, Moa do Katendê foi brutalmente assassinado com doze facadas após uma briga com motivações políticas, na madrugada do primeiro turno das eleições que elegeria Jair Bolsonaro o Presidente do Brasil. Em algum momento das propostas de formulações de “Todas as Melodias”, a crise da nossa sociedade e a consequente reverberação do racismo estrutural entrariam na pauta. Diferente de “Jair Rodrigues – Deixa que Digam“, que mostra o seu biografado como um resistente que usava o seu talento como resposta, aqui a abordagem é bem mais assertiva nesse sentido.

Isso ocorre não apenas no depoimento de Jane Reis, esposa do cantor. A montagem do filme é pensada de maneira a elucidar toda a conotação política e social dos grandes clássicos da carreira do artista. Para aqueles que não têm intimidade com a obra do cantor, é um verdadeiro mergulho pelo Largo do Estácio e o Morro de São Carlos. Bairro que, sete meses após a morte de Melodia, passaria a ter a profunda marca de ser o local de outro assassinato brutal, o da vereadora Marielle Franco.

Os depoimentos de veteranos como Jards Macalé (nascido em março de 1943, tijucano do Morro da Formiga) e Zezé Motta (nascida em Campos em junho de 1944, porém radicada desde pequena no Morro do Cantagalo em Copacabana) e a recuperação de falas como a do saudoso Waly Salomão (de setembro de 1943), dão a sensação de que alguma confluência cósmica durante aqueles dois anos fez com que a profecia de Jorge Ben (de março de 1942) já havia ocorrido e alquimistas ali chegaram. Discreto e silencioso, Luiz Melodia seria de uma geração posterior a essa, mas se alinhava na poética e na expressão de negritude como a transmutação do chumbo em ouro. Conexões que se fizeram a partir do dom comum de todos por uma arte periférica em uma onda que sempre será atacada em tentativas de apagamentos.

A mãe de todos eles, a mulher do fim do mundo, não está no filme. Porém, não há como se lembrar da interpretação que Elza Soares deu a “Fadas” no ano de 2002. Uma nova revisitação, com um duro poema lido por Arnaldo Antunes e que cita Moa em confronto com as frases mais sórdidas ditas por Bolsonaro, tem a voz e a corporalidade de Liniker. A prova de que novos alquimistas surgem por esse país vez em sempre. Poderia ser este o clímax de “Todas as Melodias”, mas estamos diante de uma obra que se supera a cada nova abordagem. Por isso, é mais correto escolher momentos favoritos, dentro de uma unidade documental que equilibra muito bem os registros históricos, os testemunhos e a música.

Por sinal, no meio de tanta poética, a qualidade do material de arquivo poderia até parecer um elemento discreto, mas ele também salta aos olhos. Louvável tudo o que se conseguiu obter e a recuperação de fotografias e vídeos que dão ainda mais densidade à narrativa. De forma totalmente subjetiva, qual seria o grande momento de “Todas as Melodias“, aquele que virá primeiro a minha mente ao lembrarmos do documentário? Um filme que vai da entidade Zezé Motta ao furacão Cassia Eller, do provocador Waly Salomão ao intimismo do olhar e da fala de Céu e que faz uma ponte aérea com parada em Araraquara que aproximam Arnaldo Antunes e Liniker um pouco do Estácio. Eu digo que é a câmera de Abujamra passeando pelas vielas do São Carlos ao som de “Pérola Negra” na força de Gal. Mas, você… Fique com todas as formas de Melodia, o alquimista que – na falta de quem lhe observasse – resolveu transformar a si mesmo em ouro.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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