Sinopse: “Haverá um clarão na aldeia, muito forte, poderoso, e tudo irá mudar…”. Em “Um Forte Clarão”, Isa tem um gravador para registrar mensagens para si mesma para quando ela sumir ou perder a memória. Cita tem a sensação de estar presa a um casamento em uma casa repleta de imagens de santos e virgens. María volta ao povoado onde nasceu para lidar com sua solidão. Três mulheres de uma pequena cidade rural, suspensa no tempo e castigada pelo despovoamento. Nesse lugar, elas vivem entre a apatia do cotidiano, em que nada de extraordinário acontece, e um desejo profundo de vivências libertadoras.
Direção: Ainhoa Rodríguez
Título Original: Destello Bravío (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 36min
País: Espanha
Morrer Abraçado com a Moral
A cineasta Ainhoa Rodríguez já mostra, em seu primeiro longa-metragem, uma capacidade impressionante de criar imagens que se fixam em nossas cabeças. Dias após a sessão de “Um Forte Clarão“, parte da Competição Novos Diretores da 45ª Mostra SP, em meio a uma maratona de obras das mais diversas propostas, linguagens e territórios ao redor do mundo, o mosaico da realizadora madrilenha permanece vivo na memória. Uma obra que retoma a ideia de caleidoscópio pelo viés da desgraça iminente (e que, mais uma vez, tende a não se concretizar), que falamos em nossa crítica de “I Comete – Um Verão na Córsega” que foi afastado – e que traz a culpa cristã e seu peso para deslegitimar o feminino com premissa.
O clarão na cidade mencionado na sinopse e no prólogo do filme gera aos habitantes de uma localidade sores de cabeça, perda de memória e – não tem como não lembrar de “Bacurau” (2019) – o sumiço do território do mapa. Nas entranhas do Velho Continente, testemunhamos inúmeras mortes culturais parecidas, a partir da migração para grandes centros aliada o envelhecimento da população. Algo que se reflete no audiovisual, sobretudo de Portugal e Espanha – e na própria Mostra SP esse tema já passou por aqui no texto sobre “No Táxi do Jack” (2021). Trata-se de um risco de morte cultural por perecimento, bem diferente das violências aplacadas pelos seus ancestrais aos povos originários de outros continentes.
Essa ideia de que muitos espaços estão sendo desocupados (e levando consigo suas lembranças) é algo consumado. E, ouso dizer, sem escapatória. Porque a permanência física das pessoas não faz mais diferença, em um mundo no qual somos produtos e tudo o que chega a nós é produzido em série, para que unifiquemos nossos hábitos. “Um Forte Clarão” constrói para si um arco dramático a partir de três mulheres, uma inquietude não tão explicitada com em criações ficcionais parecidas como “A Caldeira do Diabo” (livro de Grace Metalious e película de 1957 pelas mãos de Mark Robson) ou “Imitação da Vida” (livro de Fannie Hurst com mais de uma adaptação, sendo a mais famosa a de 1959 pelas mãos de Douglas Sirk).
O que parece apenas registro histórico, faz sentido quando assistimos ao longa-metragem de Rodríguez. Uma obra também escrita por ela, ao contrário da virada de chave de “olhar masculino” sobre Literatura criada por mulheres e levadas ao cinema enquanto produto popular. Essas narrativas sobre pequenos territórios que expunham a hipocrisia da sociedade norte-americana nos anos 1930 e 1950 dialogam com um momento em que tenta se descobrir o que restará de espaços parecidos ao redor do mundo. No caso aqui assistimos às sobreviventes agindo com certa indiferença sobre certas transformações, enquanto tentam recuperar a força vital da comunidade em outros. A moral parece ser, ainda, um obstáculo.
O que Anahí faz, entretanto, é trazer um pouco do insólito para carregar a trama de imprevisibilidade. É se debruçar no exótico, porém, sob por outro aspecto, permitindo que a redenção se dê em forma de prazer. Um doce afrodisíaco é capaz de selar esses encontros de gerações, promover algum tipo de libertação enquanto mulheres e enquanto povo que tenta se manter no mapa de alguma maneira. A qualidade flagrante com a qual ela costura essa história foi reconhecida no Festival de Málaga com o Prêmio Especial do Júri e garantiu a “Um Forte Clarão” exibição no Festival de Roterdã deste ano.
Assim como o filme francês já mencionado, mais uma vez não se persegue a ideia de que navegamos em uma nau de insensatos. Pelo contrário, Isa aparece como uma personagem central que é humanizada e se humaniza através das vivências, dos discursos e da projeção que faz sobre as outras. É mais uma viagem do festival que vale a pena ser feita com o mínimo de informação possível.
Veja o Trailer: