Cruella

Cruella 2021 Filme Crítica Disney+ Pôster

Leia nossa crítica de “Cruella”, estreia do Disney+ Premier Access.

Sinopse: Na Londres dos anos 70 em meio à revolução do punk rock, Estella, uma garota inteligente e criativa determinada a fazer um nome para si através de seus designs. Ela faz amizade com uma dupla de jovens ladrões e, juntos, constroem uma vida para si nas ruas de Londres. Um dia, o talento de Estella para a moda chama a atenção da Baronesa Von Hellman, uma lenda fashion que é devastadoramente chique e assustadora. Mas o relacionamento delas desencadeia um curso de eventos e revelações que farão com que Estella abrace seu lado rebelde e se torne a Cruella má, elegante e voltada para a vingança.
Direção: Craig Gillespie
Título Original: Cruella (2021)
Gênero: Comédia | Aventura | Crime
Duração: 2h 14min
País: EUA | Reino Unido

Cruella 2021 Filme Crítica Disney+ Imagem

A Diva que Você quer Copiar

Disponível no Disney+ no que a plataforma de streaming chama de premier access, “Cruella” marca o início de algo que não aconteceu em 2020 e ocorrerá de forma diferente em 2021: a temporada do verão norte-americano. Quem acompanha a indústria audiovisual sabe que a última semana de maio é a data que os engravatados começam a jogar na praça as grandes apostas de potentes bilheterias.

Com o mundo ainda vivendo a pandemia do novo coronavírus, alternativas foram buscadas e cada país teve uma estratégica diferente. A Disney não quis abrir mão da estreia mundial do filme estrelado por Emma Stone – e o público brasileiro mais precavido e consciente poderá desembolsar a “módica” quantia de R$ 69,90 para alugar o longa-metragem, que deve chegar para os assinantes do serviço daqui a dois ou três meses, como ocorreu com “Raya e o Último Dragão” (2021).

Uma ótima oportunidade para falarmos destas táticas pensadas para o futuro (que já é presente) na forma de consumir as produções de grande impacto mercadológico. Mas, ficará para outra vez, já que o filme é um dos maiores acertos da chefe de cartel nos últimos anos. Pode não ser a melhor revisitação dos personagens clássicos, mas é desafiante tentar encontrar aquela que foi melhor. Grandes escolhas na narrativa fazem com que “Cruella” seja acima da média não apenas na diversão e na qualidade técnica, mas também nos desafios sobre o arco dramático daquela que admite – em certo momento – que terá que ser a vilã que a sociedade espera que ela seja.

O tal “filme de origem” que, ao contrário de observações panorâmicas sobre a mitologia de figuras consolidadas na cultura pop de “Mulan” (2020) ou simples refilmagens que ficam entre o deslumbre de “O Rei Leão” (2019) e o cosplay milionário de “Aladdin” (2019), há algo mais aqui. Aliás, vários algos, me perdoem os puristas da língua. Não soa nem um pouco exagerada a boa receptividade da obra, que ganharia aderência nas bilheterias na terceira e quarta semana, movidos pelas indicações de quem assistiu. Qualquer análise sobre os números soará atravessada, porque o streaming tirou esta transparência. Auditados por eles mesmos, teremos que acreditar nos lucros que a Disney dirá que teve no tal premier access. Mas, por trás de tanto especulação e análise, há um bom filme a ser visto.

Por sinal, o estúdio já havia acertado em uma revisitação na produção para a TV “Descendentes” (2015), nova incursão de Kenny Ortega pelos musicais. Inclusive, a data de estreia de “Cruella” marca o que seria o aniversário de 22 anos do jovem Cameron Boyce, que interpretou Carlos, filho da protagonista, naquele filme. Ele faleceu com apenas 20 anos em um súbito ataque de epilepsia. A ideia de trazer os filhos de alguns vilões da companhia fez sucesso, rendeu continuações e ampliou as possibilidades sobre a forma polarizada com a qual as produções clássicas representavam o bom e o mau.

É sob essa premissa que a jovem Tipper Seifert-Cleveland aparece como Estella, uma adolescente de doze anos que perde de forma trágica a mãe no ano de 1964. Absorvida pela culpa, acreditando ter sido a responsável pela morte, ela segue alimentando o sonho de se tornar estilista e dar orgulho àquela que se foi.

Já na década de 1970, a jovem Estella ganha a forma de Emma Stone, muito à vontade em um papel que ela sabe que marcará sua carreira bem-sucedida e que inclui três indicações ao Oscar – com uma vitória por “La La Land” (2016). A produção executivo de Glenn Close não está ali à toa, os responsáveis pelo filme conseguem ir além da mera representação que nos levará ao surgimento de Cruella De Vil (com C). Inserem as motivações por trás da criação de uma nova personalidade em um contexto, não apenas no antagonismo da Baronesa (sempre) magistralmente interpretada por Emma Thompson, mas também em um recorte temporal.

Em relação a isso, a Disney despejou grana na aquisição de direitos de uma respeitável seleção de canções populares da década de 1970. Do pop ao disco, passando pelo rock clássico, as escolhas imprimem não apenas ritmo, mas contribuem para a atmosfera mais sombria que o diretor Craig Gillespie consegue trabalhar. Uma transição que a empresa-base do conglomerado viu necessária dado o sucesso desse expediente nas produções da Marvel, principalmente “Guardiões de Galáxia” (2014). Não soar infantil não significa não atingir tal público. O ansiado fan service que extrapola apenas os admiradores de uma personagem ou da ideia de mundo por trás de uma obra. Isso faz com que não soe deslocada uma música do The Doors ou Led Zeppelin porque é inquestionável a contribuição à narrativa.

O cineasta, que dirigiu “Eu Tonya” (2017) formata a obra de maneira a não polarizar as leituras. Por mais que a Baronesa tenha a tirania como premissa, a forma como Estella vai transitando em comportamentos coerentes com o que sofreu na adolescência e início da fase adulta entrega aquilo que admiramos em um bom exemplar da cultura pop. Foge do maniqueísmo e usa referências que faz da menina Cruella algo próximo de um Oliver Twist contemporâneo (e depois adulto) para, minutos depois, trazer o mundo da moda em sua faceta competitiva e predatória a exemplo de “O Diabo Veste Prada” (2006), outro blockbuster que soube divertir.

Sendo assim, temos uma protagonista movida pelo ódio e pelas incertezas que uma vida sem privilégios gera. Humilhada enquanto funcionária, ela varre qualquer pó de inocência para debaixo do tapete. Os roteiristas Dana Fox (conhecida por comédias) e Tony McNamara (de “A Favorita” e criador da série “The Great“) complexificam a origem, permitem ao diretor dinamizar as representações e encontram o equilíbrio entre comédia e aventura – em uma fantasia que flui naturalmente, como ferramenta da narrativa.

Já Gillespie faz das três montagens de desenvolvimento da trama grandes performances lideradas por uma Emma Stone inspirada, provando que o segredo para a Disney entregar filmes melhores e escolher agentes com experiência e talento naquele aspecto da obra que precisa funcionar. Em um dos grandes momentos, a ótima versão de “Come Together” na voz de Tina Turner.

Saindo dos tons pastéis para um colorido cada vez mais pulsante, Estella vai se transformando (e transformando os espaços os quais transita e toma de assalto) no reino mágico de Cruella. O cineasta usa quando entende necessário o enquadramento frontal, com os personagens perfeitamente centralizados. Só não é mais Wes Anderson porque a forma de amenizar o CGI tem feito a estética dessas produções priorizaram os fundos desfocados – mas que, ao contrário de boa parte dos filmes similares, não provoca tanta irritação com o que não se vê.

Há uma realidade em formação, tornando parte dessa artificialidade coerente com a unidade de estilo. Claro que o encerramento com “Sympathy for the Devil” é quase tão clichê quanto as decisões de Zack Snyder em “Army of the Dead” (2021), aposta da concorrente Netflix como grande arrasa-quarteirões-caseiro deste início de temporada.

Desta vez a Disney, por mais resistência da parte de quem não concorda com sua sanha imperialista audiovisual, acertou em cheio. Nem as mais de duas horas que poderiam fazer “Cruella” se estender demais é condenável. Contrariando as expectativas, o primeiro grande arremesso da empresa em 2021 caiu de chuá na cabeça do haters.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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