Mostra Ecofalante | Competição Curta-Metragem

Apostila Mostra Ecofalante de Cinema 2020

Mostra Ecofalante | Competição Curta-Metragem

Um dos recortes curatoriais da 9ª Mostra Ecofalante de Cinema é a Competição Curta-Metragem. São dezoito obras, entre 10 e 52 minutos. Onze produções brasileiras e sete de outros países da América Latina. A exibição ocorre em janelas de 24 a 72 horas e você pode acessar toda a programação na página oficial do evento.

Segue um índice em ordem alfabética e uma breve crítica de cada um dos concorrentes. Clique no nome dos filmes e seja direcionado à crítica específica:

C.I.T.A. (Cooperativa Industrial Têxtil Argentina)
Caranguejo Rei
Delegado, O
Fim da Eternidade, O
Fogo Que Vimos, O
Guaxuma
Levante dos Andes, O
Liberdade
Mamapara
Mitos Indígenas em Travessia
Nova Iorque, Mais Uma Cidade
Nove Águas
Por Trás da Cortina Verde
Resplendor
Ruivaldo, o Homem Que Salvou a Terra
Suquía
Tuã Ingugu (Olhos d’Água)

Ficha Técnica da Competição Curta-Metragem


Mostra Ecofalante | Competição Curta-Metragem

C.I.T.A. (Cooperativa Industrial Têxtil Argentina)
(Lucas Molina, Tadeo Suarez e Marcos Pretti, 2019)

C.I.T.A. (Cooperativa Industrial Têxtil Argentina) Competição Curta

O documentário “C.I.T.A. (Cooperativa Industrial Têxtil Argentina)“, primeiro na lista da Competição Curta da Mostra Ecofalante pela ordem apenas alfabética, abre nossas análises falando de uma América Latina que poderia dar certo, caso o esmagamento de qualquer conquista social não fosse a regra das nações que a compõe. O curta-metragem dirigido pelo trio Lucas Molina, Tadeo Suarez e Marcos Pretti fala da morte de uma cooperativa fundada em 1952, durante o Governo Perón na Argentina. Diante da falência da empresa original, seus ex-funcionários decidiram assumir a administração do local. No auge da produtividade, cerca de setecentos cooperados participaram da indústria têxtil.

A derrocada tem início com o próprio declínio deste tipo de comércio, que não aguentou a forte concorrência e os preços proibitivos dos importados chineses. Aqui no Brasil pólos têxteis também foram pulverizados nos últimos anos, deixando um rastro de desemprego. A ideia aqui não é somente registrar esse desdobramento da crise argentina e sim narrar uma linda história de autodeterminação do trabalhador, um método de organização cada vez mais inaplicável em uma realidade de precarização sob a desculpa do empreendedorismo. Uma forma que, de fato, permitia que o cooperado fosse livre – com direito à licença e até venda de patrimônio do grupo em momentos de perda de faturamento.

A Argentina e seu povo sempre demonstrou muita força para superar crises, mas não aguenta mais o empilhamento delas. Mesmo com toda a gana de manter uma cooperativa desta em pé (e ela se manteve por quase setenta anos), chega uma hora que o neoliberalismo vence.  O Estado abandona os pequenos e médios empresários e a população fica cada vez mais por conta de sua própria sorte. Como obra audiovisual, o curta-metragem também tem muita força. Divide em pequenos atos e quebra as representações da fábrica com depoimentos de maneira a traçar uma historiografia contundente da C.I.T.A.

Interessante que algumas tomadas lembram um pouco um curioso filme realizado por David Lynch em uma viagem à Europa. Ele se chama “Idem Paris” (2013). Vale a pena assisti-los em sequência, como um exercício. São duas representações de linhas de produção distintas (gráfica e têxtil). Além disso, enquanto o norte-americano traça uma obra aberta, que exige do espectador projeções, os argentinos usam essa ferramenta para criar diálogos sobre a complexidade das relações laborais latino-americanas em um visão macro e, em menor escala, as consequências de uma indústria nacional desprotegida.

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Caranguejo Rei
(Enock Carvalho e Matheus Farias, 2019)

Caranguejo Rei Competição Curta

Caranguejo Rei” é uma construção de Enock Carvalho e Matheus Faria que se utiliza da monstruosidade real de alguns dos animais que, de fato, habitam o planeta. No caso, o conhecido king crab, um crustáceo comumente encontrando em mares gelados e que chega a medir dois metros. Tavinho Teixeira interpreta Eduardo, um homem que unirá a ancestralidade dos mangues recifenses e a ideia de nova concepção das cidades, que se vale à especulação imobiliária. É um terror urbano, mas com forte elemento fantástico e os cineastas utilizam de maneira precisa o som, a trilha, a condução da narrativa, entre outros elementos fundamentais para que a construção do suspense seja bem traçada pelo público.

Uma grande história, que nos remete a referências como o processo de evolução dos lobisomens até o estranhamento de si causado pelo clássico “A Mosca” (1986) de David Croenenberg. O protagonista precisa ao mesmo tempo se adaptar e buscar respostas, que vão além dos seus sentimentos. É um chamado da Natureza para que a Justiça seja feita a partir de sua corporalidade. Uma conclusão que alia o conto do Patinho Feio com a concepção original de “Planeta dos Macacos” (1968), nos entregando um grande desfecho, que torna toda a sua trajetória intrigante e angustiante digna de ser revista. Enock Carvalho e Matheus Faria apresentam daqui a algumas semanas “Inabitável“, seu mais recente trabalho no Festival de Gramado – que será online. Mais dois nomes que entram na lista de realizadores para a Apostila de Cinema acompanhar de perto.

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Delegado, O
(Samuel Moreno Alvarez, 2019)

O Delegado Competição Curta

O Delegado” é um curioso caso de inversão do estranhamento que um representante de povos originários tem com a lógica de institucionalização de poder aplicada pelo homem branco. Samuel Moreno Alvarez traz a história de um “homem da lei” que faz parte da nação Kamentsa. A sinopse dá conta de que Fernando, o delegado do título, foi eleito pela população. Isso já desperta um questionamento sobre a representação, visto que o homem precisa adaptar seu entendimento de justiça e regramento com uma padronização de conduta.

A câmera começa exagerando no viés da observação. Documenta os primeiros passos do biografado excessivamente à distância, sempre escondida. Quando ela se coloca mais participativa, o curta-metragem entrega ótimos diálogos. Temas como globalização, apropriação cultural, perda de identidade e etnocídio transitam, revelando uma consciência profunda sobre os assuntos por parte de Fernando. Além de cuidar de elementos que permitem uma aproximação entre representantes de povos distintos, como a dança e a expressão da fé sob as mais diversas formas. Mas o poder mesmo da obra é na abordagem sobre um homem que se sujeita a um novo regramento a partir do momento em que entende a importância do cargo para os homens brancos, que dividem consigo aquele território. Fernando portanto é, de fato, uma autoridade.

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Fim da Eternidade, O
(Pablo Radice, 2019)

O Fim da Eternidade

O Fim da Eternidade” do jovem artista visual e diretor argentino Pablo Radice traz, a partir de verbalizações dos moradores mais antigos, o imaginário da cultura Ese Eja, em uma cidade da Amazônia Peruana chamada Puerto Maldonado. A simbologia de um povo que teve seus primeiros representantes descendo do céu. por um fio de algodão. Um pedido lúdico de respeito, reconhecimento e resgate, feito por pessoas que admitem que em breve estarão mais próximos de seus ancestrais do que de nós.

Aliás, o entendimento de que os antigos, aqueles que carnalmente não estão entre nós, revelam seus segredos e trazem suas demandas de outro plano espiritual, já nos colocou diante de outra bela obra, o brasileiro “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” (2018). Aqui, no filme selecionado para a Competição Curta, a ideia ainda é mais próxima da documentação, mesmo que a trilha constante da montagem de Radice, nos deixe com a sensação de estarmos dentro de um sonho.

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Fogo Que Vimos, O
(Pilar Condomí e Candelaria Gutierrez, 2019)

O Fogo que Vimos

Se a dupla de diretoras de “O Fogo que Vimos” respondessem com a mesma impulsividade a qual decidiram realizar o documentário se ele “deu certo” (perguntado de forma grosseira, como é comum – assim como fazem se perguntam se o filme “é bom”); elas provavelmente diriam que não. O objetivo original de Pilar Condomí e Candelaria Gutierrez era trazer as queimadas que afetavam a região da Patagônia, mais um paraíso natural da América do Sul que sofre cada vez mais com as ações da Humanidade.

Se deslocaram para Bariloche em 2015, motivadas por notícias que davam conta que a região vivia uma crise ambiental. O curta-metragem, contudo, abre com a única presença de fogo do filme – uma adição ficcional feita em um punhado de galhos secos, que ilustrariam a abertura da produção. Preocupadas em qual seria melhor posição da câmera, somente na pós-produção, com todo o material registrado, é que elas se dariam conta que – ao procurar registrar um fenômeno climático produzido pelos humanos – acabaram sendo elas mesmas as responsáveis por uma destruição, mesmo que em escala bem curta.

Por outro lado, “O Fogo que Vimos” é extremamente eficiente em outros intentos. Ao nos entregar um documentário todo montado em compasso de espera, as cineastas argentinas vinculam à sua obra a imprevisibilidade da resposta da Natureza sobre a nossa presença. Ao mesmo tempo, se colocando em uma área de paisagens tão formosas e gigantescas, traz a nossa pequenez e como devemos rever nossa posição de comandantes do planeta e nos enxergamos como parasitas. Circulando por estradas com seus acostamentos cheios de neve, fazendo registros carregados de um olhar de quem não faz parte daquele território, o curta-metragem queria mostrar o caos, mas trouxe apenas a calmaria – de que a Terra tem consciência dos caminhos a serem trilhados por ela, mesmo que não façamos parte de seus planos.

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Guaxuma
(Nara Normande, 2018)

Guaxuma Nora Normande

Clique aqui e leia aqui a crítica completa de “Guaxuma”.

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Levante dos Andes – A Cidade-Tampão Que Se Reinventa Através da Arquitetura, O
(Bernardo Villagra Meruvia, 2019)

O Levante dos Andes Ecofalante Competição Curta

A origem na imigração é o tema de “O Levante dos Andes – A Cidade-Tampão Que Se Reinventa Através da Arquitetura“, de Bernardo Villagra Meruvia. Uma área territorial em La Paz, na Bolívia, mais afastada do Centro e pensada como local de ocupação de novos moradores, chamada El Alto. Um documentário que traz o debate das mudanças das dinâmicas sociais nas cidades, assim como o curta-metragem “Liberdade”, com comentário abaixo. A Revolução de 1952, chamada de Revolução Boliviana, foi o caminho para a efetivação de um mercado clandestino, que se colocou quase dentro da formalidade naquele local. Isso trouxe um ganho financeiro para a área, ao mesmo tempo que a deixou estereotipada de certa forma.

As consequências, quase setenta anos depois, segue um padrão de cisão social muito comum em territórios que experimentaram um avanço econômico atípico. A ampliação da desigualdade gerou não apenas o fenômenos da constante fricção entre as classes, de empregadores e empregados. Gerou uma mudança de hábitos e manifestações culturais dos mais ricos, o que os mais antigos muito bem colocam no filme como uma crise de identidade local e de valores.

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Liberdade
(Pedro Nishi e Vinícius Silva, 2018)

Liberdade Ecofalante Competição Curta

O curta-metragem brasileiro “Liberdade“, de Pedro Nishi e Vinícius Silva traz a ideia de refundação do bairro no coração da maior cidade do país, São Paulo. Um local de acolhimento e oportunidade de recomeço de imigrantes há mais de um século. A grande metrópole paulistana e sua relação com novos moradores já foi objeto de dois textos aqui na Apostila de Cinema, relacionando a imigração haitiana. “Por Trás da Pele” (2018) de Cristian Cancino traz o viés da corporalidade negra e da transição pelos espaços; enquanto que “Cidade Pássaro” (2020) de Matias Mariani usa um pouco da narrativa fantástica e de elementos de thriller para falar da relação do imigrante que aqueles que ficam.

“Liberdade”, entretanto, vai pelo lado territorial – apesar da parte final trazer fortes traços de ancestralidade ao lembrar do Largo da Forca, primeiro nome do bairro por ser ali o local de execução dos escravizados fugitivos e condenados à morte. A narração do guinense que protagoniza a obra conta a história daquela região e, a partir daí, abre caminho para discutirmos as transformações e as novas dinâmicas da cidade. Os orientais que viram na área um fio de esperança, agora dividem espaço com novos povos, notadamente da África e do Haiti. Algo que no Rio de Janeiro acontece na zona central, onde o comércio das ruas mais populares do Centro era quase todo ocupado por imigrantes árabes e aos poucos viram os chineses os substituírem nas atividades. O Brasil segue um país que muito deve à força de trabalho da população estrangeira, mesmo que por trás de nossa suposta política de boa vizinhança haja muita xenofobia.

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Mamapara | Mãe Chuva 
(Alberto Flores Vilca, 2020)

Mamapara

Mamapara” (presente não apenas na Competição Curta da Mostra Ecofalante, mas também no festival Kinoforum) nos leva à região de Cerro Colorado, no Peru – perto da zona turística de Cusco. Lá conhecemos Honorata, uma senhora daquelas que precisou passar a vida se reinventando. Abandonada pela mãe, recebida por uma outra mulher que ela considera sua família, impedida de trabalhar no comércio local por briga com outros vendedores. Honorata, uma vendedora de doces, que teve que se acostumar com a perda. A vida sempre lhe tirou e o que ela conseguiu foi fruto de suas reinvenções. Alberto Flores Vilca realiza um curta-metragem que trata da dor como um processo constante, antes mesmo da chegada do luto. O afeto de uma relação entre humano e animal, por alguém que parece não ter mais fé nos seus iguais.

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Mitos Indígenas em Travessia
(Julia Vellutini e Wesley Rodrigues, 2019)

Mitos Indígenas em Travessia

Mitos Indígenas em Travessia” é uma animação aplicada na captação de imagens reais da floresta. A adjetivação pode ser simples, mas trata-se de um trabalho lindo dos cineastas Julia Vellutini e Wesley Rodrigues. Sem verbalizações, se valendo de sons e trilha musical, o curta-metragem traz seis histórias antigas de diferentes etnias dos povos originários. Uma união de respeito e pesquisa, levando com muito colorido e de forma direta, parte da tradição – que se baseia na oralidade. Um povo que sempre entendeu a Natureza um organismo com o qual devemos criar uma relação simbiótica. Vários elementos, de respeito ao território e ao alimento, até a interação animal, passando pela relação com os céus e as estrelas – tudo trazido de forma lúdica e com o poder de agradar tanto o público infantil, quanto os interessados pelas mais diversas culturas (além, claro dos entusiastas da animação como linguagem).

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Nova Iorque, Mais Uma Cidade
(André Lopes e Joana Brandão, 2019)

Nova Iorque, Mais uma Cidade

Nova Iorque, Mais uma Cidade“, apesar de curto, parece duas obras em uma – ambas excepcionais. André Lopes e Joana Brandão acompanham Patrícia Ferreira, uma jovem realizadora indígena, como convidada de um festival de cinema etnográfico. A primeira parte, flagrantemente o objetivo principal do documentário, é trazer a exploração dos espaços desta grande metrópole por Patrícia. Todavia, o Museu de História Nacional de Nova Iorque, com todas as possibilidades, acaba ocupando quase todo o tempo de tela.

Isto porque há nos corredores das galerias boa parte da riqueza dos povos originários da América, inclusive aquele representado pela cineasta. Objetos íntimos e sagrados, que Ferreira não esconde lhe provocar um profundo incômodo. É um olhar sobre aquele espaço cultural, tão celebrado e rico para a maioria das pessoas – e que por vezes não respeita tradições pelo mero desconhecimento ou despreocupação em sair do estágio de ignorância. Por isso o trabalho como realizadora de Patrícia Ferreira e outros cineastas indígenas é fundamental. Mais do que tomar conta dos discursos, apenas suas abordagens poderão respeitar na integralidade todos os símbolos do seu povo.

Só que a obra de Lopes e Brandão acaba sendo atropelada pela curiosa presença de um partidário de Jair Bolsonaro na plateia em que a diretora fazia seu discurso de agradecimento. Uma nova forma de agressão, é bem verdade. Acaba levando o documentário para um caminho não previsto, pois o senhor rebate firmemente o posicionamento contra as políticas do novo governante brasileiro. Da mesma maneira que a história dos povos originários corre risco para satisfazer espaços como o Museu, a chancela de procedimentos como os defendido por Bolsonaro também levam a irreparáveis danos. Em um curta-metragem que se propõe a explorar ao máximo a experiência de adaptação de Patrícia Ferreira a Nova Iorque, um improvável personagem mostra que são muitos os desafios que teremos pela frente.

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Nove Águas
(Gabriel Martins e Quilombo dos Marques, 2019)

Nova Águas Ecofalante

Clique aqui e leia a crítica de Roberta Mathias da sessão da Mostra Lona 2020, onde “Nove Águas” foi apresentado.

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Por Trás da Cortina Verde
(Caio Silva Ferraz e Paulo Plá, 2019)

Por Trás da Cortina Verde Competição Curta

Por Trás da Cortina Verde“, curta-metragem de Caio Silva Ferraz e Paulo Plá, traz de forma contundente o processo que a área do Alto Vale do Jequitinhonha sofreu nos últimos cinquenta anos. Mais um território que testemunhou com a sanha do progresso econômico insustentável que os governos brasileiros insistem em prover desde o início do século XX.

Um trabalho que teve a contribuição da imprensa e dos grandes proprietários de terra da região a partir da década de 1970. A mídia vendeu aquela zona como uma região improdutiva, chegando a apelidar de “Vale da Miséria”. Já os barões intimidaram a população a aderir a monocultura do eucalipto, que fez com que grandes empresas ali se estabelecessem, tanto de reflorestamento quanto de siderurgia. O passado de pluralidade e boa relação com a terra se esvaiu. Agricultura familiar e plantas medicinais viraram raridade, coisa do passado. Quantas vidas foram ceifadas ou o quanto de pesquisas nas áreas médicas e biológicas se perderam em troca da maximização dos lucros?

Informativo e muito bem conduzido, a obra de Caio e Paulo se preocupa em não vilanizar de todo o eucalipto. Apesar de ser uma planta que consome até quatro vezes mais água do que a vegetação típica do Cerrado, a culpa deve ser creditada às políticas ali aplicadas, à selvageria do empresariado e a falta de aplicação das leis ambientais – que existem no Brasil apenas para que a palavra impunidade não saia de moda. O mesmo acontece em relação a demarcações de terras indígenas ou aplicação da função social da propriedade – aqui na Apostila de Cinema de forma recorrente trazemos exemplos na legislação que permitem a aplicação da Justiça na acepção da palavra.

“Por Trás da Cortina Verde” usa um expediente cada vez mais comum e muito interessante do audiovisual independente, se valendo de vídeos institucionais das empresas para mostrar a outra visão, sem inserir na montagem da obra entrevistas de assessores e dirigentes carregadas de hipocrisia. Essa agressão à terra no Vale de Jequitinhonha se manifesta em várias condutas tipificadas como crime. A população local sente os efeitos do uso desenfreado de agrotóxico e apresenta índices de doenças a ele relacionadas em proporção maior que outras áreas. Mas seguimos achando que aqueles gigantes vales de eucalipto são mais um símbolo de nosso progresso econômico do que de nosso fracasso enquanto nação.

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Resplendor
(Claudia Nunes e Erico Rassi, 2019)

Resplendor

Clique aqui e leia aqui a crítica completa de “Resplendor”.

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Ruivaldo, o Homem Que Salvou a Terra
(Jorge Bodanzky e João Farkas, 2019)

Ruivaldo Competição Curta

“Ruivaldo, o Homem Que Salvou a Terra“, de Jorge Bodanzky e João Farkas dá conta de várias questões e representações relacionadas a uma das regiões mais espetaculares e pouco conhecidas do planeta: o Pantanal brasileiro. Não que ele não seja explorado, visto que os reflexos da ação humana já são fortemente sentidos na região. Mesmo assim, a sensação de ser uma área pouco vista, torna a construção visual do curta-metragem espetacular.

A contribuição do fotógrafo João Farkas, parceiro do veterano Bodanzky na empreitada, é fundamental. O filme se inicia com esse olhar estrangeiro sobre o território. Um profissional experiente no registro de paisagens impressionantes, desenvolvedor de trabalho na Amazônia, traz uma perspectiva por vezes pessoal daquela área. Aos poucos, a montagem vai inserindo os discursos dos representantes locais, de pequenos fazendeiros a biólogos. Uma tentativa de compreender porque o Pantanal já sofre com a destruição ambiental, antes mesmo que pudéssemos dimensionar sua importância para a Terra.

A falta de previsibilidade na chegada das chuvas e o processo de assoreamento do Rio Taquari, iniciado há quarenta anos, é o ponto de partida do documentário. Um fenômeno que já se identifica em outros rios do Pantanal, como o Negro e o Aquidauana. A resposta para a degradação da área é que a força exploratória humana vem levando a Natureza a potencializar processos que duram séculos, ou até milênios, em questão de anos ou décadas. Não apenas assoreamento, mas aterramentos, o que no caso daquele território – de planícies e com biomas que sofrem grande influência da sazonalidade do clima – agrava a situação.

É lamentável que uma zona de confluência, como um capital interiorana dos grandes centros ambientais da América do Sul, já esteja comprometida. Processos de dragagens cada vez mais urgentes e que não ocorrem (de acordo com os entrevistados) por simples falta de vontade política. Quando o olhar estrangeiro de Farkas começa a ceder espaço (ele está presente até o final, principalmente na troca sobre a importância de seu trabalho como fotógrafo), podemos conhecer a história de Ruivaldo, que dá nome ao curta-metragem. Um homem que desenvolveu sua inteligência no trato com a terra a partir da tradição familiar, visto que seu avô já era pequeno produtor. Sua consciência o torna uma espécie de justiceiro da Natureza, fornecendo meios de aprimorar seu sustento – evitando perdas em relação ao plantio e à agropecuária – mas também ampliando também o respeito pela terra.

Enquanto isso, o avanço do agronegócio, que não trata o solo de maneira correta, pode fazer parecer que o trabalho de Ruivaldo seja em vão. Mas não é. Esse encontro com Farkas e a produção do documentário (mesmo que em parceria de empresas como a Klabin), permite uma ampliação de alcance que influencia não apenas o nosso olhar estrangeiro, mas o torna um representante natural de moradores que apenas querem respeito à terra. Como ele mesmo diz, um soldado de primeira linha em uma guerra do progresso desenfreado contra a sustentabilidade, que salvará a todos.

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Suquía
(Ezequiel Salinas, 2019)

Suquía Competição Curta

Em “Suquía“, o cineasta Ezequiel Salinas coloca o rio que dá nome ao curta-metragem para dividir conosco suas memórias. Uma narração que reflete a tristeza e o sentimento de abandono de um companheiro ao qual o povo daquela região da Argentina lhe deve a vida. “Para eles não tenho importância” ele diz logo no início. Captando imagens no nascedouro quase sempre à noite, quando a área mais poluída do rio ganha forma, o espectador pode entender apenas como extensão das águas aparentemente turvas – mas o Suquía logo nos lembra que sua memória se baseia no lixo.

Salinas, então, compõe uma montagem onde seu protagonista sussurra como se à beira da morte estivesse, mas imagens de arquivo carregam de vida suas lembranças, tempo em que poderíamos fruir daquele amigo de todas as formas. Atualmente, mal se consegue identificar a sombra das pessoas em meio a tanta sujeira e apenas esta contemplação visual já deveria ser suficiente para respeitarmos o grito (ou melhor, sussurro) de socorro de um companheiro que, sem dúvida, nos fará muita falta.

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Tuã Ingugu (Olhos d’Água)
(Daniela Thomas, 2019)

Tuã Ingugu - Olhos D'Água

Chegamos ao fim da maratona da Competição Curta da 9ª Mostra Ecofalante. O início do curta-metragem “Tuã Ingugu (Olhos d’Água)“, de Daniela Thomas, remete a um outro assistido ano passado na Mostra Sesc de Cinema chamado “O Céu dos Índios Desâna e Tuiuca“. A obra de Flávia Abtibol e Chicco Moreira trazia a relação entre o conhecimento milenar de povos indígenas e a astronomia, comprovando que a ancestralidade pode nos revelar muito mais do que tradições. No caso dos Kalapalo, etnia que vive no parque indígena do Xingú, as estrelas surgem como donas da chuva. Uma montagem simples, que traça o caminho natural de toda a vida que a água permite, seja a humana ou a dos peixes.

A narrativa da obra se aproxima um pouco do livro de Gênesis, com a ideia de que toda a existência é um ciclo, dentro de um ciclo maior. Nessa mistura de fábula, metáfora ou atualização de mitologia, o Apocalipse teria início com o veneno levado ao rios pela plantação do homem branco, que lota de produtos nocivos à saúde sua produção de comida. É duro ter a consciência de que chegará o dia em que não teremos o que beber, mesmo que toda a lógica carregada de eficiência dos antigos conhecimento do Xingú nos mostre o caminho.

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Ficha Técnica da Competição Curta-Metragem

C.I.T.A. (Cooperativa Industrial Têxtil Argentina) (C.I.T.A. (Cooperativa Industrial Textil Argentina), Argentina, 2019, 19′)
Direção: Lucas Molina, Tadeo Suarez, Marcos Pretti
Sinopse: C.I.T.A. (Cooperativa Industrial Têxtil Argentina) relata a resistência e o espírito de luta de um grupo de trabalhadores que seguem funcionando de modo cooperativo, apesar das diferentes políticas neoliberais que atentam contra o crescimento da indústria nacional. A filmagem teve lugar em plena crise do governo macrista, e ninguém sabia que as imagens da produção industrial da cooperativa aqui recolhidas seriam as últimas.
Caranguejo Rei (The King Crab, Brasil, 2019, 23′)
Direção: Enock Carvalho, Matheus Farias
Sinopse: Em um cenário de especulação imobiliária, estranhos acontecimentos atravessam as vias expressas do Recife. Concretos são armados sobre um território sem que nunca tenha se pedido autorização ao mangue que existe ali.
Delegado, O (The Sheriff, Colômbia, 2019, 26′)
Direção: Samuel Moreno Alvarez
Sinopse: Fernando, um indígena Kamëntsá comum, foi eleito delegado. Ele deve superar seus próprios dilemas e decidir se realmente gosta do que faz, ou se quer voltar à sua antiga vida.
Fim da Eternidade, O (The End of Eternity, Argentina/Peru, 2019, 10′)
Direção: Pablo Radice
Sinopse: O filme reúne crônicas antigas que registram sonhos coletivos, por meio de testemunhos dos moradores mais antigos da comunidade Ese Eja, evidenciando a solidão e o esquecimento da comunidade nativa.
Fogo Que Vimos, O (The Fire We Saw, Argentina, 2019, 12′)
Direção: Pilar Condomí, Candelaria Gutierrez
Sinopse: Depois de ver uma foto em um jornal sobre uma série de incêndios florestais na Patagônia, duas jovens decidem, em um jogo aleatório, viajar para Bariloche. Elas vão procurar o fogo e, em vez disso, encontram os membros da brigada da S.P.L.I.F. (Serviço de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais). Enquanto estiveram com eles, não houve fogo. O único fogo que viram foi gerado especialmente para elas. Um ensaio que procura, através desses homens, fazer uma reflexão sobre a escala humana em relação à paisagem.
Guaxuma (Guaxuma, Brasil, 2018, 14′)
Direção: Nara Normande
Sinopse: Eu e a Tayra crescemos juntas na praia de Guaxuma. A gente era inseparável. O sopro do mar me traz boas lembranças.
Levante dos Andes – A Cidade-Tampão Que Se Reinventa Através da Arquitetura, O (Andes Uprising, a Buffer City Re-inventing Itself Through Architecture, Alemanha/Bolívia, 2019, 14′)
Direção: Bernardo Villagra Meruvia
Sinopse: El Alto, na Bolívia, está crescendo rapidamente – sem controle, mas não sem forma. Investigando a estética urbana, encontramos os Cholets: palácios em miniatura que servem como instalações residenciais e comerciais para ricas famílias indígenas Aymara. As construções coloridas e brilhantes se assemelham a naves espaciais perdidas nos terrenos baldios urbanos. O duplo movimento entre os comentários dos especialistas e a sinfonia da cidade revela as bases sociais dessa arquitetura eclética.
Liberdade (Liberdade, Brasil, 2018, 25′)
Direção: Pedro Nishi, Vinícius Silva
Sinopse: Sow, Abou e Satsuki se encontram em um bairro de São Paulo chamado Liberdade. Uma história sobre imigração, assombrações e resistência.
Mamapara (Mamapara, Peru/Argentina/Bolívia, 2020, 17′)
Direção: Alberto Flores Vilca
Sinopse: No altiplano peruano, Honorata Vilca, uma senhora analfabeta de ascendência quíchua, mora com seu cão e se dedica à venda de doces. Quando começa a estação das chuvas, ela relata passagens de sua vida, até que, em uma tarde, algo fatal acontece que parece fazer o próprio céu chorar.
Mitos Indígenas em Travessia (Ancient Stories, Brasil, 2019, 22′)
Direção: Julia Vellutini, Wesley Rodrigues
Sinopse: Seis histórias indígenas dos tempos antigos das etnias Kuikuro (Aldeia Afukuri, Terra Índígena Parque do Xingu, Mato Grosso), Javaé (Aldeia São João, Terra Indígena Parque do Araguaia, Ilha do Bananal, Tocantins) e Kadiwéu (Aldeia São João, Terra Indígena Kadiwéu, Mato Grosso do Sul). Entre as histórias: A Ema, O Menino-Peixe, As Mulheres Sem Rosto, A Via Láctea, A Menina Cobra, e O Urubu-Rei.
Nova Iorque, Mais Uma Cidade (New York, Just Another City, Brasil/EUA, 2019, 18′)
Direção: André Lopes, Joana Brandão
Sinopse: Jovem liderança e realizadora audiovisual, Patrícia Ferreira vem sendo reconhecida pelos documentários que realiza com o seu povo, os Guarani Mbya. Ao ser chamada para debater seus trabalhos em um dos maiores festivais de cinema etnográficos do mundo, o Margaret Mead Film Festival, realizado no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque, Patrícia se depara com uma série de exposições, debates e atitudes que a fazem refletir sobre o mundo dos “juruá”, contrastando-o com os modos de existência guarani.
Nove Águas (Nine Waters, Brasil, 2019, 25′)
Direção: Gabriel Martins, Quilombo dos Marques
Sinopse: Em 1930, Marcos e seu grupo de descendentes de escravizados saíram do Vale do Jequitinhonha rumo ao Vale do Mucuri. Fugindo da seca, da fome e da violência no campo, os quilombolas buscavam um novo território para construir sua comunidade. Dos tempos do desbravamento aos atuais, a história de luta por água e terra protagonizada pelos moradores do Quilombo Marques, no Vale do Mucuri, em Minas Gerais.
Por Trás da Cortina Verde (Behind the Green Curtain, Brasil, 2019, 29′)
Direção: Caio Silva Ferraz, Paulo Plá
Sinopse: O documentário apresenta a dura realidade enfrentada pelas comunidades camponesas da região do Alto Vale do Jequitinhonha, no Nordeste de Minas Gerais, diante da degradação socioambiental provocada pela implantação da monocultura do eucalipto desde a década de 1970. Este é um pequeno recorte narrado por sujeitos do próprio lugar em sintonia com diversos estudos científicos realizados sobre o caso.
Resplendor (Resplendor, Brasil, 2019, 52′)
Direção: Claudia Nunes, Erico Rassi
Sinopse: A Comissão Nacional da Verdade, instalada em 2011 para apurar crimes cometidos durante a ditadura militar, trouxe a público um capítulo ainda muito obscuro da nossa história: a existência de um centro de detenção indígena, na cidade de Resplendor (MG), chamado Reformatório Krenak. Instalado primeiramente dentro do território da etnia Krenak, e posteriormente transferido para Carmésia, aprisionou e torturou não apenas indígenas Krenak, mas diversas outras etnias como os Pataxó, impondo restrições às suas práticas ancestrais sob implacável vigilância dos militares. O documentário mostra como funcionou esse campo de concentração, e as consequências desse trauma coletivo para os povos indígenas afetados.
Ruivaldo, o Homem Que Salvou a Terra (Ruivaldo, the Man Who Saved the Earth, Brasil, 2019, 45′)
Direção: Jorge Bodanzky, João Farkas
Sinopse: No Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul, na região do rio Taquari, o crescente e contínuo assoreamento dos rios levou ao transbordamento de águas e inundações de terras ao longo dos anos, causando mudanças significativas na vida de seus habitantes. Isso tornou impossível cultivar o solo e criar gado, um meio de subsistência para as famílias locais. Um membro dessas famílias, Ruivaldo Nery Andrade, nosso personagem guia, luta para salvar sua fazenda, construindo um sistema de diques manual para conter e alterar o curso das águas invasoras e, assim, retomar suas atividades e garantir a sobrevivência da terra. Com entrevistas locais e conduzido pelo fotógrafo João Farkas, que fotografa o Pantanal há seis anos, mostramos a riqueza da região e também como a trajetória de vida de Ruivaldo e de outros personagens foi afetada pela tragédia ambiental que ocorreu ali e a luta para reverter essa situação recorrendo à soluções engenhosas e criativas.
Suquía (Suquía, Argentina, 2019, 13′)
Direção: Ezequiel Salinas
Sinopse: Uma jornada pela memória do rio Suquía, um rio escuro, cheio de desespero e ressentimento pelo seu povo. Mas, como o Nilo, o Sena ou o Ganges, é um rio que tem muito a sussurrar sobre a cidade que viu crescer nas suas margens.
Tuã Ingugu (Olhos d’Água) (Tuã Ingugu (Olhos d’Água), Brasil, 2019, 11′)
Direção: Daniela Thomas
Sinopse: Na cosmogonia dos Kalapalo, etnia que vive no parque indígena do Xingú, a água é tão antiga quanto os humanos e é a fonte da vida. É dali que vem todo o sustento dos originários, seu alimento, sua bebida, seu banho, sua alegria. A ideia de usar a água como lixeira, de envenenar a água, é uma distopia. Em Tuã Ingugu (Olhos D’Água) o cacique Faremá – da aldeia Caramujo, nas margens do rio Kuluene – nos conta sobre o nascimento da água e nos adverte sobre as consequências de desrespeitá-la.

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Mostra Ecofalante | Competição Curta-Metragem

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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