Artigo | O Show que Nunca Para
Em 1979, Bob Fosse levou aos cinemas o inesquecível musical “All That Jazz“, vencedor de quatro prêmios da Academia (Oscar de montagem, direção de arte, figurino e canção original). Apesar das indicações em categorias chamadas de principais, como filme, direção e ator (para Roy Scheider), o sucesso na noite se limitou às categorias técnicas. O filme também imortalizou em português a frase “the show must go on“, já que “o show deve continuar” é o subtítulo da produção no Brasil. Uma expressão usada desde o século XIX, no circo, onde acidentes e tragédias eram comuns. O circo que “O Maior Espetáculo da Terra” (1952) retratou em um espetáculo visual de Cecil B. DeMille que venceu apenas dois Oscars, mas entre eles o de melhor filme (ao lado de roteiro).
“The Show Must Go On” também marcou o fim da carreira de Freddie Mercury, que lançou com o Queen em 1991 o álbum “Innuendo”, em meio aos boatos sobre sua condição física. Para quem não sabe, o diagnóstico HIV positivo de um dos grandes cantores da história do rock foi tornado público poucos dias antes de sua morte, em novembro daquele ano. Quem escutar a discografia da banda na ordem, terminará a viagem pela trajetória dos ingleses nesta canção. Antes disso, o Pink Floyd já havia lançado uma música no final da década de 1970 com o mesmo nome. Inserida na trilha do clássico “The Wall” (1981), levado aos cinemas por Alan Parker. Ignorado pela Academia, porém vencedor de dois BAFTAs, para seu som e a canção “Another Brick in the Wall”.
Em 2021, o simbolismo da expressão foi testado como há muito não se via. Uma crise sanitária mundial levou os cinemas de todo o planeta a pararem por tempo indeterminado em meados de março do ano passado. Ainda na ressaca do surpreendente prêmio de “Parasita” (2020), a indústria audiovisual ficou sem ação, algo que não aconteceu nem em tempos de guerra ou longas greves de importantes sindicatos de Hollywood. Filmes estavam prontos, mas com lançamentos suspensos. Aos poucos foram percebendo que não bastava “melhorar” a situação em “algumas” partes do mundo. Ao custo de algumas centenas de milhões de dólares, virar uma chave e entregar via streaming algumas obras era assumir um prejuízo enorme.
As plataformas que possuem sua rede de distribuição nesta nova forma de consumir cinema, não estavam melhores preparadas – apenas possuíam mais tempo, já que seus prazos puderam ser mantidos. O Oscar chega na ponta final desse sistema. Apesar dele pautar o calendário, sua cerimônia é, como bem disse Felipe Haurelhuk do Meu Tio Oscar em entrevista para a Apostila de Cinema, nosso Réveillon. Então, no melhor estilo “the show must go on“, cá estamos em março de 2021, de um ano que praticamente não existiu, falando do grande prêmio da indústria.
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As soluções encontradas foram estender em dois meses a janela de lançamentos, tirar a obrigatoriedade das estreias em salas físicas e investir no serviço de streaming próprio dos membros votantes. Com isso, a submissão se tornou direta – apesar do poder econômico e do investimento de parte do orçamento na demanda por prêmios seguir enquanto regra. Ao mesmo tempo em que a Academia diminui sua resistência em relação às produções que fogem da tela grande, chegando à ponta do consumidor em suas residências, ela possibilitou que o grandes estúdios entrassem no jogo em pé de igualdade.
Isso, de certa forma, aumentou os olhares em serviços como a HBO Max e até mesmo a Disney+ para um público que não se conectava muito com os blockbusters. Ao se tornar a única forma possível de assistir aos filmes, quanto mais rápida a adesão, melhor. Sem contar as inúmeras leituras que vincularam a manutenção da saúde mental de milhões de pessoas às suas relações com as artes. Elas salvaram vidas, isso cada vez mais será compreendido. Seguimos com nossa contribuição cobrindo o evento, da maneira que já nos habituamos a fazer desde o início da Apostila de Cinema há quase dez meses: falando sobre os filmes.
Aspectos da indústria cinematográfica acabam se tornando objeto de boa parte de nossos textos de indicados ao Oscar. Quem nos acompanha sabe que super lançamentos não costumam ser nosso foco – não porque não entendemos como válidas as questões que eles trazem, mas porque faltam braços para alcançar todas as produções – e sempre há algo mais próximo de nossas provocações chegando a outros espaços. Nas últimas semanas passamos a dialogar mais com longas-metragens populares, o brand-new, o feito para consumo imediato em plataformas como a Netflix e Amazon Prime Video. Em paralelo, visitamos indicados pela Academia que aportaram por aqui há alguns meses.
Com isso, desde 15 de março nossa maratona rumo ao Oscar 2021 está em curso. Quem recebe nossa newsletter (clique aqui e assine gratuitamente), toda segunda-feira ganha informações sobre a temporada. Ela é feita de lobbys, é até mais previsível do que o mercado audiovisual gostaria que fosse e cabe a nós transformar esse grande volume de obras em uma curadoria, coerente com o que pensamos sobre Cinema e sobre a sociedade.
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Quem segue a Apostila de Cinema nas redes sociais, observará que a partir de amanhã, dia 28 de março, faremos uma contagem regressiva. Faltam quatro semanas para a cerimônia de premiação e teremos 56 pequenos textos sobre todos os indicados, sempre meio-dia e meia-noite. Aos sábados, às 18h, novos artigos como este serão publicados. Uma oportunidade de propor uma leitura critica sobre o que acontece em volta da noite mágica de Los Angeles, que esse ano acontece em 25 de abril.
Pensamos muito na divisão possível desses conteúdos. Há alguns debates que parecem mais interessantes e relevantes que outros. A Netflix, por exemplo, merece destaque. Ao se colocar há três anos como importante peça no tabuleiro, esse streaming é criticado por muitos pela qualidade de algumas produções. Seus destaques em 2019 e 2020 foram longas-metragens que primavam pela ousadia, como “Roma” (2018) e “O Irlandês” (2019). Apesar de duas grifes como Alfonso Cuarón e Martin Scorsese por trás, o financiamento desses filmes, nos moldes como eles foram realizados, não foram conquistados pelos cineastas.
Esse ano a empresa bancou as ousadias de Spike Lee e David Fincher, com “Destacamento Blood” (2020) e “Mank” (2020). Na hora de escolher onde investir o dinheiro na tentativa de conquistar troféus, a Netflix preteriu a história dos veteranos do Vietnã não apenas pelos bastidores do roteiro de “Cidadão Kane” (1941). Trouxe com mais força o filme de tribunal “Os 7 de Chicago” (2020) de Aaron Sorkin. O resultado? Duas pilhas de indicações que, possivelmente, não se reverterão em muitos prêmios ao lado do grande injustiçado deste ano, lembrado apenas pela trilha sonora.
Caminho parecido fez a Amazon, mas de maneira mais acertada. “O Som do Silêncio” (2020) é uma das grandes obras norte-americanas do ano, a despeito da qualidade de “Uma Noite em Miami…” (2020). Não deveria ser assim, na dependência de escolhas. Mas, o filme de Regina King traz uma questão que outras produções também resgataram. Ambientada no meio da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos da década de 1960, ela possui um embate temático tanto com a obra de Sorki, quanto com “Judas e o Messias Negro” (2021), grande aposta da Warner – e que não poderia ficar de fora, mesmo em um ano em que “Mulher Maravilha 1984” (2020) e “Tenet” (2020) serão lembrados como grandes decepções.
Ou seja, só aqui temos dois grandes temas para desenvolver: a guerra dos estúdios-serviços e a (não) coincidência de temáticas históricas. Isso porque não mencionamos as produções que se propõem a debater o atual momento da América, como “Nomadland” e “Minari” que – mesmo ambientado na década de 1980 – soa muito atual e de forma genuína, ao contrário de outros que dependem de certas analogias. Ainda temos os curtas-metragens e os documentários, categorias que permitem discursos mais diretos sobre temas importantes da atualidade e as ausências injustificáveis de “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” (2020) e “First Cow” (2020), apesar de seguirem os trâmites necessários.
Portanto, estamos apenas começando o período que, por mais que torcemos o nariz, acaba nos envolvendo com maratonas, bolões, listas de preferidos e injustiçados. Esperamos que gostem da maneira Apostila de Cinema de participar da grande festa do Oscar, em nosso debut de 2021.
Destaques da cobertura da Apostila de Cinema no Oscar 2021:
Apostila Convida #038: Felipe Haurelhuk (Meu Tio Oscar)
Clique aqui e acesse uma apostila com todas os indicados e informações sobre o Oscar 2021.
Clique aqui e leia as críticas dos indicados ao Oscar 2021.
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