É Tudo Verdade 2020 | Curtas Brasileiros | Sessão BR2

ETV Curtas Nacionais

Outras quatro produções foram apresentadas na segunda sessão de curta-metragem do Festival É Tudo Verdade 2020, chamada da Sessão BR2. Os filmes foram disponibilizados nos dias 27 de setembro e 1 de outubro e a Apostila de Cinema traz agora breves comentários de todos eles:

Índice de Filmes
(clique em seus nomes e seja direcionado ao texto)

Ouro para o Bem do Brasil
Ver a China
Lora
Recoding Art

Ficha Técnica da Sessão BR2


Ouro para o Bem do Brasil

Ouro para o Bem do Brasil Curta-Metragem É Tudo Verde 2020 Sessão BR2

A sessão BR2 do É Tudo Verdade se inicia com o novo trabalho de Gregory Baltz, realizador presente pelo segundo ano consecutivo no festival. Falamos sobre o curta-metragem anterior dele, “As Constituintes de 88” em nossa cobertura da CineOP. Aqui o cineasta faz outro excelente trabalho de resgate, porém em diálogo ainda mais próximo com a sociedade brasileira no que há de mais imutável. “Ouro para o Bem do Brasil” mostra a campanha liderada por parte da mídia hegemônica na figura de Assis Chateaubriand para que os brasileiros apoiadores do golpe militar recém-sacramentado, pudessem doar seus valiosos bens, aumentando o patrimônio da nação e ajudando os militares a conduzir a crise com lastro muito maior do que a “mera” arrecadação de impostos.

Gregory consegue conduzir o testemunho de Delfim Netto de modo a demonstrar, sem precisar de depoimentos antagônicos aos defensores do regime, toda a desfaçatez dos comandantes do país daquela época. A prova de que a elite nacional consegue ser lobotomizada sem muito esforço por qualquer militar intolerante e de fala grosseira. Pode ter sido até expulso do Exército e passar três décadas no Poder Legislativo sendo ineficiente, inclusive. A campanha replicava outra, ocorrida na chamada Revolução Constitucionalista de 1932 e até hoje a destinação dos milhões arrecadados não foram esclarecidos.

Chama a atenção a trajetória do documentarista na busca por personagens para seu filme. Conversando por caixa de perguntas do Mercado Livre de herdeiros que vendem os anéis de latão que substituíram o ouro doado, Baltz dá um toque moderno e dinâmico a um curta que – mesmo se optasse pelo tradicionalismo – já seria provocativo o suficiente. Com uma carreira que não terá dificuldades em encontrar promissores projetos, o jovem cineasta consegue bem cedo registrar seu nome nos grandes festivais e, dessa vez, com uma produção capaz de desnudar golpistas de sempre e seus procedimentos. Há quem diga durante o curta-metragem que, se pudesse, doaria de novo. Trata-se apenas de um choque geracional. A direita se atualizou tecnologicamente para achar seu ouro, com poder para montar acampamento neonazista na Esplanada dos Ministérios. Gregory Baltz nos mostra que essa elite sempre foi o alicerce do totalitarismo à brasileira – resta problematizar os motivos do alcance popular de empreitadas tão mesquinhas quanto essa.

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Ver a China

Ver a China Curta-Metrgaem

Em “Ver a China” a realizadora Amanda Carvalho visita uma plantação de chá no interior do país asiático. Nos fazendo mergulhar em uma sociedade que se vincula a esta produção, a cineasta expande sua abordagem para um bonito processo, uma trajetória territorial de um produto. Muito do que ela desperta pelo lirismo, em uma construção quase poética de seu documentário, foi por nós trazido no texto sobre “O Custo do Transporte Global“. É como se estivéssemos diante de uma poesia globalizante, em trinta minutos que nos deixam em uma zona de conforto para refletir enquanto assistimos ao encontra da China rural com o progressismo.

Ótimo para trabalhar as construções da imagem, o projeto foi pensado como trabalho de conclusão de curso de Amanda de sua graduação de audiovisual na USP. Aqui, mais do que aplicabilidade de um olhar estrangeiro sobre cenários múltiplos de outro país, o que mais desperta curiosidade é a captação de imagens das vários formas de exercícios de trabalho. Tanto que a diretora verbaliza essa dificuldade. Acaba por traçar de forma eficiente um ciclo que, sob o manto da naturalidade e do viés artesanal, já se adaptou à lógica da fábrica e da produção em larga escala inerente a qualquer bem de consumo do mundo pós-moderno.

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Lora

Lora Curta-Metragem É Tudo Verde 2020 Sessão BR2

Lora” segue uma linha de documentários que comunga com outros curtas como “Catadora de Gente” de Mirela Kruel (presente na edição 2018 do festival) e “Carroça21“, de Gustavo Pera assistido na Mostra Convida do Festival Taguatinga de Cinema. Aqui na Apostila de Cinema pudemos até discutir no episódio do podcast vinculado a essa mostra como a análise antropológica por trás de quem viveu ou vive em situação de rua e trabalhou como catador ou catadora é rica por vários motivos.

Representantes de um grupo que, ao mesmo tempo que sente a discriminação em um processo de total invisibilização, transita pelo território com muita liberdade e desenvolve um olhar crítico sobre a sociedade com amplo conhecimento de causa. A personagem da obra de Mari Moraga divide, então, sua experiência de vida. A protagonista e sua mãe viveram o alcoolismo, o vício em crack, até que supostas tentativas de dar abrigo foram encaradas como manutenção em cativeiros. Um olhar crítico partindo de uma militante que se forjou com o passar do tempo e suas experiências, entregando discursos que não se constroem apenas nas páginas dos livros.

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Recoding Art

Recording Art Curta-Metragem

Recoding Art“, dos diretores Bruno Moreschi e Gabriel Pereira é, sem dúvida, uma das obras mais interessantes do Festival É Tudo Verdade 2020. Dentro de um subgênero que quer discutir o impactos das novas tecnologias, sobretudo as vinculadas à inteligência artificial, o curta-metragem segue o caminho do debate da arte. Isso é feito a partir da seleção de um conjunto de obras que deverão ser “lidas” pelos algoritmos que agora decidem (ou fingimos que apenas nos auxiliam) todos os nossos movimentos de vida. É curioso porque já parte da interessante questão de ser a leitura da arte algo possível, principalmente na aplicação de um viés generalista.

Mesmo com tantos estudos e correntes de pensamento, ainda é muito forte o entendimento de que podemos sentenciar, materializar ou objetificar uma manifestação cultural. Isso acaba nivelando ela a um produto (e essa palavra surge em vários textos aqui na Apostila de Cinema e, podem ter certeza, tem o importante peso de desmistificar uma pretensão). Por isso, a surpresa de quem assiste às conclusões do filme são apenas pela verbalização, porque fazia sentido esse olhar capitalista sobre a arte. Quando foge da obviedade estrutural de uma pilha de almofadas, lida como “imagens visualmente semelhantes”, a inteligência artificial entende quase todas as obras como “produtos” – e foge pela tangente ao classificar outros como “resultados não categorizados”.

Os cineastas, então, tentam aplicar um entendimento humano unificado em pesquisas de campo. Não conseguem nem encontrar uma definição próxima, muito menos respostas idênticas à velha pergunta: “isto é arte?”. Ou seja, estamos muito distantes de encontrar uma visão extra sensorial universal, uma busca por uma semiótica universalista que cada vez mais se mostra inútil. Mesmo assim, é um exercício extremamente divertido o curta de Bruno e Gabriel, que segue até o final dos créditos.

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Ficha Técnica Sessão BR2 de Curtas Nacionais

Ouro para o Bem do Brasil (Brasil, 18‘)
Direção: Gregory Baltz
Sinopse: Em 1964, dias após o golpe militar, o empresário Assis Chateaubriand criou a campanha “Ouro para o bem do Brasil”, por meio da qual convidava a população brasileira a doar bens e ajudar a acabar com a dívida externa do país. Ao traçar olhares sobre a campanha e o momento político da época, o filme é uma análise sobre a História a partir da memória do ontem e do hoje.
Ver a China (Brasil/ China, 30‘)
Direção: Amanda Carvalho
Sinopse: Uma realizadora estrangeira é convidada a visitar a China com a tarefa de produzir um documentário sobre a produção de chá na província de Fujian. Um ano depois, de volta ao Brasil, ela retoma suas imagens e aquilo que foi visto em território chinês.
Lora (Brasil, 19‘)
Direção: Mari Moraga
Sinopse: Na maior cidade do Brasil, Lora é uma mulher livre e plena de presença, que apresenta outra forma de pensar sobre pessoas em situação de rua.
Recoding Art (Brasil, 15‘)
Direção: Bruno Moreschi e Gabriel Pereira
Sinopse: Uma plataforma sem precedentes, que centralizou sete tipos de inteligência artificial para “ler” a coleção do museu holandês Van Abbemuseum, foi criada como parte de um trabalho do pesquisador de mídia digital Gabriel Pereira e do artista Bruno Moreschi. Nos resultados, a dupla procurou falhas e leituras inesperadas das IAs – e encontrou algoritmos que nivelam a subjetividade artística à lógica capitalista. A base de tudo era o trabalho crucial, mas invisível, dos Amazon Mechanical Turkers.

Clique aqui e acompanhe nossa cobertura completa do Festival É Tudo Verdade.

Clique aqui e visite a página oficial do evento.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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